Momentos Finais

Bip...

Ai você, tá me ouvindo? Droga! Ninguém pra conversar. Os outros não respondem. Talvez já tenham morrido. Pois é! Lembro-me da época que era eu saudável: tendia ao marrom arroxeado; era um espetáculo. Mas, o dito cujo que me arrastou pra sarjeta, nunca se importou comigo. Este corpo que agora agoniza só pensava em fugir da dor ou perseguir prazeres falsos. Não o prazer da boa comida, da boa companhia ou do conforto, Mas sim, o prazer destrutivo da bebedeira. No começo eu segurava a barra na boa. Ele mandava vinho, cerveja, bacardi, vodca, uísque. Fazia uma bomba, mas eu filtrava este coquetel sem grandes esforços. Eu até gostava. Era jovem.

Bip... Bip...

O tempo foi passando. O dinheiro diminuindo. A dependência aumentando. E a cachaça entrou na jogada. Ele gostava de beber uma cerveja e bater uma “curtinha”. Até aí tudo bem, a cerveja refrescava. Porém, isso foi breve. O pinguço começou a beber a branquinha sozinha. Algumas doses por dia: uma antes do trabalho; outra antes do almoço; outra pro lanche da tarde; outra pra combater o stress; outra pra dar uma; outra pra dormir. Meses depois, escapulia do serviço pra beber. Cometeu erros. Comprometeu o patrão. Perdeu o emprego.

Bip... Bip... Bip

Agora sem ter o que fazer podia beber a vontade. Tinha a grana da indenização no bolso. – O futuro que se dane! – Sou jovem, amanhã eu trabalho. – Dizia o infeliz. No dia que recebeu o dinheiro passou uma semana entrando e saindo de bares, dormindo com putas, vivendo loucamente sua liberdade. Quando retornou, tudo estava vazio. A vizinha dissera-lhe que a mulher o esperou cinco dias preocupada. Contudo, quando soube de suas estripulias, resolveu voltar para sua família no interior do Ceará. – Melhor a seca do que esse traste encharcado na cachaça!

Bip... Bip... Bip... Bip...

Desesperou-se. Agora a caninha era tudo que lhe restara. – Ingrata! – Muié e coisa do tinhoso! – Me dê uma garrafa de 51 que hoje não tô bom não! – Entregou-se. Nada mais importava. Jogou a culpa em Deus; no Diabo; nos políticos safados; na mulher ingrata; na falta de oportunidade. Vendeu a casa. Alugou um quartinho. Bebeu o troco.

Biiiiiiiiiiiiiiiiiiip...

Chi! O aparelho parou! Uma linha verde contínua assumiu a tela. Não escuto mais os passantes. Eles olham pra baixo e seguem suas escolhas. Silêncio. Algum tempo depois um enfermeiro se aproxima e desliga o aparelho. Eu era vermelho-escuro, em forma de prisma, com ângulos arredondados que me davam uma aparência ovalizada: eu era incrivelmente lindo... Agora: estou disforme... negro... podre...

Tonny Lion
Enviado por Tonny Lion em 12/02/2011
Reeditado em 22/03/2011
Código do texto: T2787331
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