Dinha e seu problema

Não se sabe por que cargas d’água o pai da menina achou por bem da a ela aquele nome esquisito.

Esquisito, para dizer o mínimo. O escrivão estranhou. Foi

consultar o juiz. Demorou uma meia hora lá dentro.

Nada impedia que um pai registrasse um filho com

nome esquisito. Não teve jeito. Grafou-se no documento da menina aquele estranho vocábulo: Erda.

Em casa era Erda pra lá, Erda pra cá. Houve até uma tia que deixou escapar um "vem com a titia, Erdinha".

Dias depois, o pai (mais a família toda) arrependeu-se da originalidade cometida. Mas era tarde. Mudar um nome era

coisa dificílima e sobretudo cara. Advogado, petição, juiz, o diabo enfim.

O jeito foi reparar a coisa do modo mais fácil e barato.

Arranjou-se um apelido para a coitada da Erda. Como já se estabelecera, com extremo mau gosto, o tratar de Erdinha, aproveitaram o ensejo e passaram a chamá-la Dinha.

A partir daí ficou subentendida a proibição de se pronunciar o nome correto da menina naquela casa e arredores.

Por enquanto tudo bem. Erda não teve problema com seu nome original. Isso até os seis anos. Depois daí. . .

Os problemas começaram mesmo foi quando Dinha teve que entrar para o colégio.

No primeiro dia de aula tudo ia bem até a professora resolver fazer a chamada.

— Ana. . .

— Presente.

— Beatriz . . .

— Presente, fessora.

— Décio. . .

— Aqui, fessora.

— Erda. . .

— Presente.

A sala veio abaixo numa gargalhada geral ouvida até mesmo na sala do diretor.

Dinha ficou mais vermelha que uma beterraba. Queria correr, sumir dali, morrer até. Mas não pôde. Agarrou-se à cadeira como um náufrago aos destroços. Baixou a cabeça. Ficou imóvel. Um inferno.

E todos os dias era a mesma coisa. A hora da chamada era aquele desespero para a infeliz.

Um dia Erda deliberou não ir mais ao colégio. Trancou-se no quarto. Nem Deus a tiraria de lá. O pai mais a mãe foram à escola tentar arranjar as coisas. Conseguiram.

Desse dia em diante ficou estabelecido que a chamada na turma de Dinha seria por número. E que ninguém mais a chamaria pelo nome. Assim, na chamada Erda era simplesmente o nº 4, e entre os colegas era Dinha. Resolveu-se, em parte, o problema.

Mas em cada início de ano Dinha ficava numa turma diferente. E vinha tudo de novo:

— Erda. . .

— Presente.

A turma quase derrubava a escola.

Idem.

Idem.

Dinha aguentou até concluir o secundário. E como, apesar do nome, era inteligente, conseguiu vaga na faculdade.

Tomou então uma decisão. Mudaria de nome de qualquer maneira. Na Faculdade, seria insuportável. As gozações. Piadinhas. Os trotes. Os alunos engraçadinhos. Outro inferno.

Erda arranjou logo dois empregos, noite e dia. Trabalhou feita uma louca. Juntou dinheiro. Constituiu advogado. Entrou na Justiça.

A batalha foi árdua. Os magistrados não queriam deixá-la mudar de nome nem por um decreto. Erda alegou tudo que podia. Problemas no estudo. Alvo de piadinha na sua rua. Até emprego era um inferno pra conseguir por causa daquele nome que lembrava banheiro.

Os magistrados disseram que Erda era um nome comum por exemplo na Alemanha. E por sinal nome bonito por lá.

A coisa tava preta para Erda. Ficar com aquele nome pro resto da vida. Essa não! Deliberou suicidar-se, caso não ganhasse na Justiça o direito. Mandou ofício aos magistrados responsabilizando-os por sua eventual morte.

Os juizes ficaram atônitos. E, para lavarem as mãos, concederam-lhe a vitória.

Erda foi notificada. Podia escolher o nome que lhe aprouvesse. Sugestões não faltaram. Era Sílvia, Estela, Débora, Suzi, Janete.

Todos queriam colaborar com sugestões as mais variadas possíveis.

Improvisou-se logo uma festa. Vieram vizinhos, parentes, ex-colegas do colégio, estranhos e até os maiores gozadores que lhe haviam pregado peças.

As sugestões se multiplicaram. Era Sônia pra cá, Cátia pra lá. Tânia, Renata, Inês, Vânia, Suzana. . .

Um tio distante, que havia anos não dava as caras, apareceu com um livro de nomes com seus respectivos significados e simbologia.

Dinha colheu-os todos, mas guardou segredo sobre qual nome escolheria.

Finalmente chegou o dia da audiência em que Dinha deixaria para trás aquele nome que tantas lágrimas lhe trouxera.

No fim da audiência, o juiz carimbou e assinou o documento tão importante e desejado.

A partir dali Dinha deixou de se chamar Erda.

Afinal, “que lindo nome teria ela escolhido? ”, todos se perguntavam, ávidos.

Mas, que grande infelicidade! O mau gosto era hereditário.

Deixou de ser Erda e passou a ser Osta!

Mark Scoat
Enviado por Mark Scoat em 28/01/2011
Reeditado em 28/01/2011
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