O minuto fatal

Passava da meia-noite do dia 02 de novembro de um ano qualquer. O calendário indicava: Dia de Finados. Ele mantinha a arcaica tradição de visitar o cemitério, como muitas outras pessoas. Porém, ao contrário delas, preferia ir ao cemitério num horário em que jamais cruzaria com alguém. Parado diante de um túmulo, ele refletia. Agachou-se e depositou uma rosa junto a lápide. Outra tradição: levar flores para os mortos. Ele encarava o túmulo, tentando esboçar algum diálogo. Não conseguiu. Sabia que não havia nada ali para ouvir as suas palavras, a não ser um amontoado de argamassa e tijolos. E um caixão. Não conseguia imaginar a pessoa que perdera ali. Nem queria fazer alguma imagem mental do que restaria dela. As lembranças lhe saltavam vívidas à mente. Era inevitável chorar ao pensar na pessoa que mais amou. Ele estava ali, diante de um túmulo. Ela, quem sabe onde?

Ridículo, ele próprio se reconhecia. Foi capaz de tantas e quantas demonstrações de amor. Declarava o seu amor o maior do mundo. E sentia que esse amor é que lhe dava forças para viver. Sim, o seu amor era mais forte que tudo. Menos que o câncer. Menos que a morte. Imaginava se, quando chegasse a sua vez, quando a Morte lhe encontrasse, iria rever às pessoas que amava. Nesse instante, imaginou, que tipo de pensamento cruzaria por sua mente no momento fatal, fatídico, no último instante, no último sopro. A essa altura, não evitou o choro. E viu-se arrependido de tantos e quantos erros tinha cometido em vida, de quantos tinha ofendido, tinha deixado de ajudar. De tantos vícios que manteve. Percebeu o quanto a vida era preciosa. O quanto cada segundo de respiração é valioso. Nisso, ouviu uma voz chamar o seu nome. Uma voz que conhecia muito bem. E que aos seus ouvidos era como um acalento. E ele morreu só, após a meia-noite de um dia 02 de novembro de um ano qualquer.

Márcio Brasil
Enviado por Márcio Brasil em 27/10/2006
Código do texto: T275025
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