A esperteza que deu certo
O sisudo professor de uma respeitável instituição de ensino superior de nossa soterópolis, sentado à mesa, observava com olhar fixo e encoberto por um pincenê escuro, os alunos respondendo às questões da prova da disciplina IDPP, por ele lecionada. Diante da camuflagem, a lhe cobrir quase metade do rosto, os discentes não distinguiam para qual direção sua visão mirava. Se para frente, esquerda ou direita. O certo é: ele olhava com olhar perscrutador como uma serpente hipnotizando a presa, a fim de aplicar o bote certeiro.
Os alunos que haviam se preparado para o embate, debruçados sobre o braço da carteira, respondiam convictos às questões da prova. Aqueles que não haviam se preparado convenientemente, mas pelo menos haviam dado uma repassada nos apontamentos, olhavam para a direita ou para a esquerda, visando pegar no ar alguma dica passada de um colega para outro. E havia quem, não tendo estudado nada para a prova, olhava para o teto como se estivesse à espera de alguma dica vinda do céu, pronta a cair no colo.
Gil, o aluno mais tirado a esperto da turma, fazia parte deste último grupo. Sob os olhares de verruma do professor, ele começou a folhear calmamente um jornal levado para a sala de aula. Parou numa determinada página e, após breve simulação de leitura, o deixou sobre o braço da carteira. E, todo songamonga, esboçou ares de estar concentrado apenas na prova. Finda a simulada concentração, meteu mãos à obra cravando respostas certeiras. O mestre, já de olhos abertos e fixos na atitude do aluno leitor, entrou em ação.
- Gil, traga-me aqui este jornal, por favor! - pediu, delicadamente.
- Pois não professor – respondeu, levantando-se imediatamente da carteira e entregando o jornal solicitado.
O professor folheou o tablóide, pretendendo aplicar no astuto aluno um flagrante de pesca. Fez que leu, releu, mas não tendo encontrado nenhum indício capaz de configurar o ilícito, o devolveu para Gil, que recolocou o jornal sobre o braço da carteira. Ante a severa marcação que lhe impunha o mestre, fingiu responder alguma questão... Após breve lapso de tempo, voltou à leitura do jornal e, em seguida, o recolocou novamente sobre braço da carteira. Deu uma ligeira disfarçada e passou a responder a prova. Atitude esta que só fez aguçar ainda mais a desconfiança do docente.
- Gil, empreste-me novamente este jornal - tornou o desconfiado professor.
- Agora mesmo professor- respondeu e levantando-se de sua carteira foi entregá-lo ao mestre.
O professor simulou estar lendo novamente o jornal. Entretanto, como não encontrou o que estava procurando, devolveu ao atilado aluno e voltou a ficar na espreita, na esperança de pegá-lo com a boca na botija.
Sob os olhares incrédulos do mestre, Gil repetiu mais uma vez o ardil posto em prática... Essa atitude foi demais para o professor que, tendo perdido a paciência, falou decidido:
- Gil, traga aqui a sua prova e esse jornal!
O aluno atendeu e entregou o tablóide solicitado.
O professor, querendo não chamar a atenção dos demais alunos da classe para o problema que o incomodava, também fez uso de estratégia com o propósito de descobrir o que o esperto Gil havia aprontado.
- Gil, disse o mestre, vá pegar sua cadeira e se sente aqui à minha frente.
Receoso de tomar um zero na prova, ele pegou a cadeira, colocou-a a frente do professor e sentou-se na esperança de não ter sua maquinação descoberta.
- Gil - falou sussurrando o professor. Desconfio que haja uma pesca neste jornal. Só não consegui descobri-la. Desde já lhe adianto: sua nota na prova é zero. Entretanto, vou lhe propor um negócio.
- Que tipo de negócio professor? – indagou.
- Mostre-me onde está a pesca e eu lhe darei nota cinco – disse sem qualquer cerimônia.
Gil, meio desconfiado e surpreso com a proposta do mestre, novamente o inquiriu:
- Verdade professor?!
- Palavra de professor – falou. Agora me mostre Gil a estratégia que você usou.
Ele pegou o jornal, folheou e na porta de uma geladeira branca, estampada em um comercial de uma loja de eletrodoméstico, mostrou a pesca xerocada em tamanho reduzido.
Pasmo com a engenhosidade do esperto aluno, o professor manteve sua palavra confirmando a nota prometida.
Aos colegas, Gil explicou como bolou a façanha utilizando-se de uma sofisticada máquina de fotocopiar, existente na agência bancária onde trabalhava.