Silence & Darkness

Insípido e estúpido, via naquele dia mais uma longa promessa de agonia. Insípida e estúpida promessa de um dia de longa agonia. Acendiam luzes na sua cara. Vampiro que era, afastava o brilho irritante com as mãos e recalcitrava com as paredes. Precisava da escuridão. Telefones tocavam nos mais variados e extremos e inconvenientes horários. Desconectava os cabos e arrancava as baterias. Não se importava se o ser do outro lado da linha trouxesse uma boa ou uma péssima notícia. Queria mais é que todos se fodessem. Precisava de silêncio. Julgava seu desejo por escuridão e silêncio uma ninharia perante o que os seus semelhantes desejavam. O custoso viver. O oneroso consumir. Perdulários cabeçudos indo na direção do tédio maior. Preferia o silêncio e a escuridão. Sua salvação era tentar estabelecer contato com outros mundos. Descobrir se há outros mundos. Era de graça, o deleite em tais prazeres. Seus peculiares prazeres. Mas eles não iriam deixar que fosse assim tão fácil. "Caralho, aquele doutorzinho filho de uma puta falando que eu não tenho nada, desgraçado", pensou. Não conseguia suportar as outras pessoas. Sentia a alma com preguiça só de imaginar a convivência com a cambada de seres pensantes que habitava a Terra. Sentia dores no peito e pânico cada vez que se dava conta de estar rodeado de gente. As conversas que ouvia insuflavam toda a gama de sentimentos degradantes possíveis dentro dele: medo, indiferença, ódio, tédio. Não se surpreendia ao se imaginar esfaqueando uma mulher tagarela dentro do ônibus ou dar um tiro no cu de pessoas que param na escada rolante. Começou a achar perfeitamente normal sentir os pêlos do braço arrepiando ao cair em devaneios malignos. Imaginava como as coisas seriam mais fáceis e bonitas se aquelas pessoas que sem pestanejar jogam lixo na rua fossem empaladas por um poste ou mergulhadas em poços de piche fumegante. Como seria mais tranquila a estada na Terra se aquelas pessoas que passam com o carro com o som no último volume escutando música que deprecia o sexo feminino perdessem o controle da direção a 100km/h e capotassem duzentas vezes e fossem fotografados com as tripas pra fora e com o CD de suas músicas podres enfiado no pescoço. Ele achava normal pensar essas coisas, mesmo sabendo que isso foge da normalidade. Estava virando um monstro. Agora o psicólogo falar que isso é normal, ah, não foi justo! É fácil ficar atrás de uma escrivaninha sendo deus. Resolveu voltar lá e expor o problema. Explicou a situação, as dores no peito. O veredicto era o mesmo. "Você só está estressado. Relaxe". Ele bufa e pensa que nos filmes os médicos costumam ser mais atenciosos. Aquele filho da puta. De olho arregalado, suando frio. Olhos brilhando de medo. Pânico. Ah, doutor, ele está normal, sim! Apertou o gatilho cinco vezes e acertou exatamente onde fez mira. Agora o doutor tem seus últimos momentos de vida no chão do consultório. E ele um dia após ser preso é encontrado morto numa cela suja qualquer. Dizem que foi suicídio. Se matou com o cadarço do tênis. Os familiares alegam que ele estava de chinelo quando foi preso. E quem sabe o que realmente houve? E o que importa? Ele tem paz, agora. Finalmente conseguiu a escuridão e o silêncio que queria. Talvez com os mortos por fim encontre o seu real destino. E quem se importa?

Rafael P Abreu
Enviado por Rafael P Abreu em 04/01/2011
Código do texto: T2707881
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