Monólogo tedioso, para você. Quem afinal sabe?

Ao tragar seus olhos adquiriram um brilho, digamos, intenso. “Mais uma dose, por favor!”, estendeu a mão mostrando o copo vazio.

- Estou cansada de te bancar!

- Ah, não reclama.

Olhou atentamente aquelas curvas. Sensualidade.

O barulho da vodka caindo no copo era tão característico. Lembrava movimento. Chuva. Confusão. Explosão. Mar. Sutileza,é. Brutalidade, também. Mas era apenas uma vodka. Não. Fazia parte dela, é claro, assim como a sensual garçonete lhe servindo.

- Deixa eu ver se está sendo clara: vai ficar a noite toda bebendo?

- Sim, por quê? Algum problema nisso?

- Esqueceu de viver, foi? Lançou-lhe um olhar furioso.

- Não, pelo contrário, estou fazendo, não percebe?

- Perceber?

- É! Não é porque estou bebendo que não vivo. Eu vivo!

- Não. Você finge. Ainda me usa de escudo para seu próprio caos.

- Ah, pára de ser tão crítica (com mais um gole bebeu tudo). Não vamos sair viva no final, vamos?

- Como desconversa. Incrível. Você é o medo personificado. Eu tento abrir sua mente, mas... que dificuldade.

- Você pensa demais. Apenas.

- Não, você que pensa demais e me usa como escudo para fazê-lo. Precisas mais de mim do que qualquer um.

Restava somente um cigarro no seu maço. Acendeu com tanta cautela chegando a lhe causar um arrepio. Que prazer era aquele todo saindo da fumaça? Por acaso se via ali? Cinza? Desordenada?

Era como se fosse um senhor precisando de seu escravo. Escravo.

Na verdade ela era sua própria escrava.

Então, sentada na sua varanda começou a escrever:"Estou percebendo uma brusca mudança de comportamento. Mas, que mudança? Não sei, só sinto. Meu coração está aberto novamente. Me sinto livre! Ah, Deus, como é gostosa essa sensação. Me deixa assim para sempre?”

- Não se iluda...

- Ih, vai começar, é?

- Não começo nada. Você que o faz.

- Ah...

- Percebe-se como está destruída. Eu disse para não beber tanto ontem, não foi?

- Porque tem sempre que aparecer quando EU não quero? Está me atrapalhando, sabia?

- Você está se atrapalhando. Pára com essa briga constante, aí poderei sim, ir embora. Você me chama sem sentir. É involuntário.

Ficou a observar.

Uma chuva fina começou a cair.

Amava o cheiro, simples e complexo.

... não conseguia parar de olhar para as formas. Não eram apenas formas: possuía toda a ilusão de se criar movimentos a partir de uma parede.

Anos. Solidão. Auto companheirismo. Contradição. Regras. “Regras”, na verdade. Loucura? Talvez.

Buscar um Deus. Mas não era um Deus, propriamente. Ela buscando ela. Rá.

Fumava um cigarro despreocupada, olhando e ouvindo passos lá fora. Calma. Até quando iria aguentar? Se preservava ao máximo.

Mas, na verdade, tinha medo de quê? Se sua própria indagação estava estampada a um olhar de qualquer espelho próximo.

Tinha dias que não escrevia nada; ou talvez mudasse somente uma vírgula, podendo contrastar significados.

- Não quer mudar mais nada hoje?

- Não, respondeu friamente.

- Nossa, percebi uma diferença.

- É...

- ...

- Então... queria te dizer, mas minha consciência não deixa... bloqueia.

- Tenta.

- É difícil.

E continuou: observava aquela chuva com tanto pudor. Não aguentou: “Percebi uma brusca mudança de comportamento! Ah,como estou curada. Acho que posso não só apenas ouvir passos lá fora e sim agir. Deixe-me andar, vai!”

Não havia mais espaço na parede: passava o preto sob o preto, agora “apagando” todas as formas: vírgulas, acentos, parágrafos e, principalmente, pontos finais.

Mariana Rufato
Enviado por Mariana Rufato em 26/12/2010
Reeditado em 22/05/2013
Código do texto: T2691772
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