Esses Vegetarianos...
Enquanto corria alegremente pela grama verdejante de seu pasto naturalmente bem decorado com pequenas florezinhas amarelas, Joelmir ainda sentia-se cabreiro. Desde ontem não lhe saía da cabeça aquela cena bizarra, aquele homem cabeçudo e descabelado andando de costas por entre as árvores, cantarolando uma estranha canção enquanto devorava um enorme aipo.
Por horas a fio refletia sobre o ocorrido e nada conseguia concluir. Caminhava até a cidade, onde adorava ir, e prestava atenção nas conversas das pessoas nos bares e nas feiras, mas nunca ouvia nada mencionando aquele brutamontes vegetariano que vagava pela floresta. Ainda lhe era fresco na memória aqueles olhos despreocupados que, enquanto caminhava (ou seria “descaminhava”), olhavam para as folhas ao vento e para as graminhas à beira do caminho. Joelmir às vezes se indagava se o grandalhão não o havia visto. “Será? Não, não... apesar d’eu estar completamente nu e saltitante, não pulei o suficiente para chamar a atenção de alguém que coma aipo” - pensava consigo.
Aipos são vegetais interessantes, são verdes e tem a textura de verduras, são comidos como tais, porém, são ervas! Alguns pensam que se trata de um tipo de legume, talvez pelo bulbo saliente na extremidade oposta das folhagens verdes. Vai saber! O que contava, na verdade, para Joelmir, era o fato do grandalhão, que por motivos óbvios acabou sendo batizado de Opiá (aipo ao contrário) comia aipos. Entretanto, onde diabos haveria de conseguir um? Não havia aipos naquela região. No máximo o que poderia se conseguir no mercado negro, com muito esforço, boa vontade, espírito esportivo e bastante dinheiro, era algum feixe de salsinha. Nada mais que isso.
- Nunca um aipo, eles não suportariam o clima subtropical de montanha que temos nessa região! – pensava consigo o nosso detetive.
Estava ali mais um mistério a ser resolvido, mais uma peça daquele fabuloso quebra-cabeças.
Um belo dia, com o sol sorridente, com os pássaros coloridos piando pelos galhos das frondosas árvores, Joelmir caminhava e cantava, nu e saltitante pela sua propriedade, como era seu costume matinal diário. Mas como aquele não era um dia qualquer, logo se viu envolto numa situação de mistério. Aquela canção que por dias ressoava em seus ouvidos, não era mais apenas parte de sua memória. Era real! E se aproximava!
Após alguns segundos as suspeitas se confirmaram, era a mesma estranha canção que Opiá cantarolava enquanto devorava seu aipo suculento. Num ato reflexo nosso amigo se escondeu num brejeiro das redondezas, de onde esperaria, ansioso, a chance de fitar mais de perto aquele ser maravilhoso e intrigante que observara outrora.
Não deu outra, Opiá se aproximou, andando de costas, comendo seu tradicional desjejum herbáceo, momento no qual foi abordado muito cuidadosamente por Joelmir, que disse:
- Bom dia. Que clima estranho, não?
- Uhum. - respondeu a criatura.
- Mas... não é só o clima que anda estranho por essas bandas...
Sem entender a observação de Joelmir, a criatura resolve articular algumas palavras.
- Por obséquio, eu conheço o senhor?
Joelmir estremece de pavor ao ouvir o questionamento da criatura. Permanece paralisado e, só movendo os lábios, nenhum músculo a mais, responde estupefato:
- Nananão...acho que não...
- Portanto, eu gostaria, que o senhor não me apoquentasse mais. Não nos conhecemos e eu não tenho interesse algum em conhecer-te. Ainda mais nu desse jeito, que pouca vergonha do senhor. – responde Opiá, pausadamente e com a clareza de um gentleman inglês.
Joelmir, branco de pavor, temendo por sua vida, se retira do local rapidamente, andando de costas, mirando Opiá enquanto se distancia, receando um ataque surpresa, alguma investida diabólica daquela estranha, medonha e, ao mesmo tempo, polida criatura.
Desde então Joelmir anda por aí, de costas, como que se desconfiasse de um ataque surpresa, de que qualquer coisa inexplicável pudesse acometê-lo. Parece até um agente do serviço secreto inglês, se camuflando entre as árvores e andando de costas. Vez ou outra, ao sentir vontade de comer, acabava por tropeçar em algum delicioso aipo perdido pelo chão, um fato impossível de ocorrer nos tempos em que andava pra frente. Mas o certo é que ele nunca mais dará uma de enxerido, principalmente quando envolver pessoas que comam aipo.