Infierno
Ventos terrificantes de tão gélidos sibilavam nas entranhas das montanhas fumegantes escalavradas com imagens de demônios horripilantes. O ar adentrava os pulmões carregado de substâncias tóxicas, que penetravam as vias respiratórias deixando uma ardência monumental na garganta. O cheiro, uma mistura dos mais fétidos já relatados; enxofre com dejetos humanos, o próprio odor do apodrecimento de um milhão de corpos. A luz, era fraca e rubra, fornecida por piras de onde brotavam gritos de horror de enregelar a alma. Arrastava os pés pelo solo, de onde uma densa fumaça sépia até a altura dos tornozelos encobria o que seus pés tocavam. Resignava-se a sentir, passo após passo, os pés chafurdando em algo que remetia à excrementos de cachorro; tão pegajoso, quente e fétido como. Em curtos intervalos, o solo se alterava e era como se andasse num linóleo de arame farpado. As feridas que eram abertas ardiam de forma pungente e ele sentia seu coração batendo na sola dos pés. Vultos o cercavam espalhando dores por todo o seu corpo, como se fantasmas de boxeadores despendessem os mais violentos socos em seu corpo lânguido. Enveredava-se em clareiras sombrias, tão quentes quanto qualquer deserto no verão para, em seguida, cair em covis tão frios quanto o fundo do oceano Ártico. Respirava com dificuldade e por mais de uma vez deteve-se à apenas um passo de distância de um caudaloso rio de magma que carregava vultos que gritavam, gemiam, choravam, imploravam e altercavam com o Diabo e clamavam por Misericórdia e pelo perdão de Deus. Escalou uma colina durante um tempo que não saberia precisar e quando chegou no topo, pôde ver o que um dia fora seu corpo sendo carcomido por milhares de vermes brancos de movimentos lerdos, famintos, roendo-lhe o que antes fora o invólucro de seu espírito. Então é assim que terminam aqueles que interrompem a existência por conta própria... Vagariam pelas sombras sendo sodomizados por seres demoníacos pelo tempo equivalente à existência que fora interrompida bruscamente. Soube, então - como se a informação tivesse sido trazida pelo vento escaldante que fazia no topo da colina - que se ainda estivesse no plano terreno, viveria mais de cem anos. Ocupou-se durante um longo período na descida da colina, sofrendo as mais mortificantes dores e agonias. Tinha apenas dezessete quando colocou o cano dentro da boca e puxou o gatilho. Ainda teria oitenta e três anos para se arrepender do que fez...