Vislumbre trancendente

Ele era um cientista, a bem da verdade, nada ortodoxo, não afeito a seguir os ditames dos cânones científicos em voga. Tudo o que era instituído, alardeado como irrefutável, para ele era susceptível de uma análise mais acurada, valendo-se, para tanto, de todos os instrumentos acessíveis, disponíveis ao espírito humano, para esse deslindar, elucidar os mais, aparentemente, insolúveis enigmas que acossam o espírito do homem lúcido ou que anela a lucidez. Essa instrumentação da qual se valia, usava de qualquer expediente, concernente ao conhecimento, permeando o exotérico e se imiscuindo no esotérico, colimando, indubitavelmente, burilando, limpando qualquer vestígio de despicienda inconcludência, anelando tão somente o que suscitasse um conhecimento puro, inalienável. Isso era o precípuo do que buscava, tudo o que importava. Nesse tocante, para ele, os fins justificavam os meios. Porém ele não era fleumático, tampouco pragmático, nem estouvado. Possuía um comedimento pouco entendido, por vezes parecendo indiferente, não obstante, assimilava tudo o que lhe parecesse lógico e o cotejava com o que o empirismo lhe facultava. Possuía ele uma lógica própria, imanente, um conhecimento intrínseco, que lhe admoestava quando se enveredava por um meandro caminho, que levava ao supostamente extraordinário. Ele não acreditava no extraordinário, tampouco estava alienado pelo consuetudinário, portanto seu espírito não estava atrelado a costumes nem a modismos, estando imbuído, embebido, seu espírito, insuflado no transcendente.

Um pensamento era fundamental para ele: tudo o que existe está a meio caminho entre o sobrenatural, que ele gostava de chamar de supra-natural e o natural, pois nada transcende as leis da Natureza. Algumas coisas apenas escapam a visão ordinária e circunscrita do cérebro humano, limitado a um contexto o qual não pode ultrapassar, pelo risco de um colapso, o que chamam de loucura, desvairamento. Esse era o limite para o homem nesse planeta, mas não o limite para o espírito, que para ele era o verdadeiro ser. A ciência não reconhecia o espírito, e aí estava o seu limite. A religião não reconhecia a evolução, e aí estava o seu limite. Ele não aceitava ter limites. Poucas coisas o apoquentavam tanto quanto se ver enredado num obstruso dilema do conhecimento, o qual embebia o espírito numa obumbração, que o mantinha num estado de letargia, somente suplantado quando encontrava a solução para a questão que antes incognoscível. Então ele exultava, na conspicuidade de um entusiasmo transcendente.

O que não podemos cotejar com o que já estamos afeitos a contemplar, apenas vislumbramos de um relance com nossos olhos, porém não nos atemos a mirá-lo, tampouco, admirá-lo, pois não o vemos com o espírito. Miríade de pensamentos o acossavam e lhe tiravam o sono, a desoras, em noites assaz buliçosas. Esse pensamento era um deles. Então ele tomava consciência de quanto lhe perpassava o espírito e, fugidias essas informações, sequer eram por ele cogitadas, tampouco se transformavam em conhecimento, posto que não adentravam nele, não se imanavam ao seu ser. Eram-lhe estranhas, pois não as via, pelo fato de não poder comparar com o que já conhecia. Angustiado ele se levantava e, já sem sono mourejava em seus estudos, a fim de sufocar essa força ingente que lhe arrostava e lhe exprobrava pelo quanto ainda ele não sabia. Isso lhe agastava, sobremaneira e mais se abismava em suas pesquisas, no afã de encontrar respostas.

Ah, os portentos do conhecimento! Que alcandoram os espíritos aos píncaros do deleite!Então ele se regozijava quando um lampejo de entendimento lhe facultava chegar a uma resposta a uma pergunta que lhe fustigava o ânimo a algum tempo. E só então ele ia dormir, resfolegado, no refocilo de um regaço, o regaço da satisfação.

Já fora ele um notório cientista. Laureado pelos seus nobilitantes envides científicos, para a glória insofismável da Ciência, da qual era um de seus arautos mais solícitos. Para ele tudo o que não tivesse o respaldo da Ciência era alijado ao rol das crendices despiciendas, meras lendas, mitos. Ele gracejava, zombava quando lhe lia ou ouvia relatos de avistamentos dos supostos Objetos Voadores Não Identificados, desses aludidos a seres extraterrestres, ou que lhe aventavam que a o Homem possui algo mais que seu cérebro, seus genes, para ser mais exato, possuía o que chamavam de Espírito. Zombeteiramente, jocosamente, ele interpelava, refutando: - Como posso eu acreditar em semelhante coisa, apenas aventada por mentes pueris, sem um balizamento notório, acadêmico? O que a Ciência não me mostra, não me prova, em toda a sua arrazoada irrefutabilidade e infalibilidade, para mim não existe. Se para ti existe, o que posso pensar? Simplesmente, que perdeste o juízo, que devaneias!

Ah, a fatuidade desairosa naqueles tempos era tônica em seu imo e lhe transluzia em sua tez, com uma altivez empertigada e por vezes insolente. Mas isso era já passado. Nenhum resquício daquele ser lhe restava, no concernente a sua moralidade, porém intelectualmente mantinha o conhecimento haurido, como imanência sua, parte intrínseca do seu ser. Mudara muito, moralmente, estava mais sensível, Humanizara-se, poder-se-ia dizer. Ao invés de empavonar-se, num ensimesmamento presunçoso, edificara em si um sentimento altruísta de empatia para com o mundo ao seu redor, no qual estava embebido, uma inusitada complacência aos limites humanos e suas, por vezes, equivocadas ilações, levadas a erroneidade por preconceitos falaciosos, mais por ignorância do que por malícia. Agora ele estava mais do que nunca cônscio disso.

Mudara, sobremaneira, suas crenças. Um fato, uma ocorrência, fê-lo mudar. Um espírito sábio, arraigado em falácia, tão logo é arrostado por um fato que venha derruir suas convicções, vacila, a princípio, mas tão logo percebe a veracidade do que com ferocidade desdenhava, prontamente se torna o fiel defensor desse novo paradigma.

O Homem sempre esteve afeito aos embates, choques, conflitos entres forças se digladiando, o choque entre dois opositores num campo de batalha, o choque de partículas num acelerador, uma bomba lançada sobre um alvo e seu estilhaçamento, esfacelamento, o estafante maniqueísmo. O ser humano nesse planeta tem uma predileção pelo caos, pelo choque, pelo embate e ver o que, no final, irá surgir depois desse choque. Ele sempre espera que uma nova ordem se estabeleça. Assim o homem que busca as verdades espera um entrechoque entre paradigmas para tomar uma posição.

Tudo o que possa ser aventado pelo espírito humano pode ser passível de existir, pois o pensamento, se não pode criar, pode antever a criação, num antegozo de liberdade. Pode-se ser livre criando ou compreendendo os mecanismos de uma criação. Ele estava começando a libertar-se, depois de um letárgico sono, esse que acomete quase que a totalidade dos espíritos que deambulam por esse orbe, quais zumbis semi-conscientes.

Não importa no que acreditamos. Isso não mudará um átimo da Verdade. A Verdade é por si só. Pretensioso é aquele que pensa que sua crença é que molda a Verdade. Prolífico e profícuo é o pensamento daquele que caminha, sem alarde, sem blasonar, sem pedantismo, mas resoluto, cônscio de que ao longo do caminho pode tropeçar e cair e que somente a humildade pode soergue-lo e sustê-lo num patamar condigno ao valor que atesta a sublimidade do espírito, em contraposto a decrepitude da sua arrogância. Em tempo conseguira ele alijar de si essa alteridade desairosa do seu caráter, para que não virasse um câncer a se propalar nos refolhos do seu espírito e lhe toldar a visão da Verdade.

Tal acontecimento, peremptório para a sua mudança de postura, ocorrera justamente no interregno do seu saber, pois chegara ele num ponto do seu conhecimento no qual era imprescindível tomar uma posição mais flexível, com o risco de estagnar-se numa intelectualidade limitante, caso não revesse sua postura.

Estava ele em seu escritório, a desoras da noite, num observatório astronômico, no que dantes fora um castelo, abandonado a muitos séculos, no cimo de um monte escarpado. Seu potente telescópio fora montado na torre mais portentosa, na qual também se encontrava seu equipado escritório, com o que havia de mais moderno em equipamentos astroscópicos. Naquele tempo era ele o prestigioso diretor daquele observatório.

Fazia ele sua corriqueira e homótona vigília pelos espaços siderais em seu computador, o qual escaneava as imagens capturadas pelo telescópio e cotejava, numa espécie de análise pela homose, classificando os objetos perscrutados. Inopinadamente um alerta emitido pelo sistema fê-lo sobressaltar-se. Olhou com olhos desmesuradamente abertos para a tela. Um objeto, que não fora classificado como meteorito ou como qualquer objeto artificial fora-lhe mostrado. Os seus dados estavam ali, na tela. Ele varava o céu, numa velocidade constante, muito lenta, como se controlada. Cintilava, intermitentemente, ora aurifulgente, ora tirante a um azul esmaecido. Sem delongas contactou seus colegas em outros observatórios para confirmar se os mesmos haviam captado o que ele captara. Resposta negativa. Nenhum outro observatório estava vendo o que ele via. Voltou à tela. O sistema colocara em tela as coordenadas do objeto, a sua velocidade e o seu local de impacto. Não era muito distante dali, num vale inóspito, pontilhado por cabanas abandonadas.

Ele, de supetão, impulsionado pelo seu já característico arroubo, atabalhoado, coloca-se em pé, afastando, bruscamente a cadeira na qual estava sentado, em sua escrivaninha de trabalho, pega a luneta sobre a mesma e se dirige à porta. Precipitadamente corre sobre a aderve daquele castelo, e avistando, ao longe um ponto no espaço, descendente, obliquamente, o mesmo se declina em uma das ameias e observa com a luneta, o objeto, o mesmo captado pelo telescópio.

Estupefato pelo que via, posto que, de forma inaudita, seus olhos viam, através da luneta, muito mais do que a mesma pudesse focar e seus sentidos apreciavam mais do que já estavam afeitos a apreciar, numa espécie de overdose sensorial, nimiedade da capacidade de percepção vulgar dos sentidos.

- Não é possível! Então é assim? - Foi tudo o que pode dizer. Encostou-se numa parede, de uma guarita, para não estatelar-se ao chão em desfalecimento pela comoção suscitada, podendo ver, pela seteira, o objeto cair, aterrissar, ou o que quer tivesse acontecido quando o mesmo tocou o solo, pois isso aconteceu, pensou ele. O objeto tocou o solo.

Meio trôpego pela emoção o cientista volta à torre, para o seu escritório. Analisa os dados do objeto, pela tela do computador e toma uma resolução.

Na manhã seguinte, pretextando uma indisposição viral, suscitada por um agente gripal, o mesmo delibera que tiraria alguns dias para refacimento somático, delegando funções aos seus subordinados em sua ausência.

Naquele mesmo dia ele fora a sua casa, na cidade, pegara alguns instrumentos, alguns aparelhos, equipamentos eletrônicos, provisões alimentícias e de higiene, para alguns dias, e se dirigira ao vale, onde o objeto que lhe suscitara fascínio, caíra.

Passara ele alguns instigantes dias, dias memoráveis, esclarecedores, em uma das cabanas abandonadas naquele vale inóspito.

Mantivera contato com entidades inteligentes, as quais propriamente não possuindo a constituição física do homem da Terra, o seu fenótipo, dado as particularidades do planeta, entanto possuíssem o seu aspecto. Ficara sabendo, por essas entidades, as quais se comunicavam pelo pensamento e se lhe mostravam como imagens translúcidas, que eram espíritos, vindo em caravana de um outro orbe, não especificando qual, com um objetivo científico, o qual não precisaram qual fosse, mas que disseram que relevante era. Sempre era relevante quando dispendiam uma jornada, de qual mundo viessem e para qual mundo fossem.

Finalmente ele compreendeu um fenômeno e se inteirou de um fato. Algumas luzes, algumas, não todas, avistadas no espaço por várias testemunhas, eram caravanas de espíritos desse orbe ou de um outro, qualquer um desses que pululam, espalhados pela vastidão do Universo, que se deslocavam de um planeta a outro ou de uma região planetária a outra, com propósitos específicos, definidos. E que aqueles que as avistavam eram aqueles dotados de uma certa clarividência, não que fossem escolhidos ou especiais, apenas viam porque possuíam essa percepção. Tudo o mais a respeito de naves espaciais alienígenas, soube ele, não passava de criações do próprio homem da Terra ou equivocadas interpretações de fenômenos naturais ou embustes.

Uma entidade certa vez lhe falou:

- Pense, logicamente, há algum sentido em nos deslocarmos de nosso planeta em naves espaciais, percorrendo, fisicamente, um longo espaço, dispendendo recursos, para que? Para nos mostrar, dizer que estamos aqui e que viemos de um outro planeta somente para demonstrar nossa evolução tecnológica? Não é assim que a coisa funciona e bem tacanha é a mente que assim pensa. Seres bem evoluídos tecnologicamente e não evoluídos moralmente, não possuem acesso a outros orbes, não possuem registros da existência de vida nesses outros orbes, do contrário, com sua claudicante moralidade, em tendo acesso a esses outros mundos, seriam como ervas daninhas, nocivas ao ambiente. Enquanto que em mundos superiores, técnico e moralmente, esses seres usam a tecnologia para bem prover seus mundos e facilitar a vida de seus concidadãos. Para viagens interplanetárias usamos nosso corpo mais sutil, o espírito, e nos deslocamos em caravanas de serviço ou estudo pelo espaço infindo, na velocidade do pensamento. Quando, meu caro amigo, a Humanidade desse orbe por vocês chamado Terra, tiver num estágio de sublime moralidade, vocês perceberão o espírito, que é o ser real, ainda quando o mesmo estiver na matéria e as potencialidades dessa humanidade serão quintessenciadas, elevadas a um grau infinitamente superior ou que possui no momento, concernente a visão de si mesmo e do contexto no qual está embebido.

Então, a partir daquelas experiências ele começou a perceber o seu eu verdadeiro, o seu espírito e a grandiosidade da obra na qual estava embebido.

Valdecir de Oliveira Anselmo
Enviado por Valdecir de Oliveira Anselmo em 03/12/2010
Código do texto: T2651413
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