MEMÓRIAS DE UMA SALA
É tudo muito sombrio. Hoje não há luar... Somente a fraca luz da lâmpada do poste deixa entrar alguma claridade. Já vai alta a noite... Como sempre, estou só neste horário. Ninguém circula por aqui. Há silêncios densos e tristes. Não gosto do que sinto. Antes era melhor. Foi muito melhor!
Havia risos, alegria, barulho, correria. À noite, o silêncio dizia sussurrando: há descanso... E eu era feliz...
Hoje, não. O silêncio sussurra: há tristeza... E estou triste!
Observo tudo ao meu redor e muitas vezes até gostaria de poder dizer alguma coisa. Contudo, fico somente observando... E lembrando...
Como naquele dia.
Eu a vi chorar. Não fazia barulho, era um pranto silencioso e acho que por isso mesmo mais dolorido ainda! Era um choro longo demais para o meu gosto!
Geralmente estou de bem com a vida. Iluminada pelo sol, pelo luar ou em última instância pelo clarão das luzes da rua, raramente fico às escuras, sempre estou bem clara ou em uma penumbra tranqüilizante...
Nessa tarde, não. O pranto dela me deixou taciturna. Ela não abriu nem a cortina!
Coitadinha!
De repente, o telefone toca. Ela sai correndo para atender no quarto. De onde estou, ouvi quando atendeu. Procurava disfarçar a voz chorosa:
- Alo. Sim sou eu. Você está bem? Sim, sim, estou bem. Alguma novidade?
Pausa meio longa. Volta a falar num tom meio ansioso.
Dizia:
- Não, por favor, não. Não pode ser assim. Preciso ver você de novo! Não se vá. Só mais um tempo! Não acontecerá de novo, prometo!
O que diziam no outro lado da linha eu não podia ouvir, mas por suas frases entrecortadas, consegui imaginar o motivo daquele diálogo.
Já havia escutado antes alguma coisa a respeito da partida dele. Sempre falava que um dia iria para bem longe, em uma nova oportunidade de trabalho e a deixaria para trás, talvez para nunca mais!
Por que será que ele sempre dizia que a deixaria pra trás? Não haveria a possibilidade de ela ir junto? Pelo amor que ela lhe demonstrava, tenho certeza que iria até o fim do mundo com ele.
E por que aquela frase – não acontecerá de novo...? Eu também sabia: por qualquer coisinha que a deixava triste, ela disparava num choro convulsivo com palavras entrecortadas, cheias de lamentações. Um pouco irritante, segundo o meu gosto! Com certeza ela prometia que ao vê-lo de novo, não faria mais aquelas cenas. Não posso afirmar. Afinal, não conseguia ver tudo tudo o que ela fazia...
Havia um amor louco entre eles dois. Fui testemunha várias vezes do início de um colóquio que se prolongava noite adentro; começava na minha presença, beijos loucos e prolongados! Carícias, carinhos, olhares apaixonados... Depois continuava só que não mais na minha presença...
Sorrio só de pensar no que pressentia depois daquelas cenas iniciais... O que haveria! Mas não é da minha conta. Sou de natureza pacífica, aliás, passiva. Não reajo a nada, só observo...
Mas... Voltando àquele telefonema, escutei quando ela voltou a afirmar:
- Não, amor, ainda não, não vá tão depressa! Por favor! Tudo bem. Então espero você hoje à noite. Tiau, beijo.
Tornei a vê-la junto a mim. Estava até sorrindo!
Entenderam alguma coisa até agora? Claro que não, pois ainda não expliquei...
Ela mora aqui nesta casa há certo tempo, talvez mais de dois anos. Como ela se chama? Pra que saber? Não faz falta. Agora só existe ela aqui. É perigoso ficar citando nomes. E se você a reconhecer? Fica sem nome mesmo.
É do interior. Veio de longe para estudar na cidade grande. Tinha passado no vestibular até com uma boa classificação. Trouxe também referência sobre onde morar, indicado por amigos e veio parar nesta casa.
Passou muito aperto para sustentar este pedacinho de chão. Fazia um monte de pequenos trabalhos extras. Até faxina ela fez para se sustentar. Os pais, muito pobres, raramente conseguiam mandar-lhe alguma ajuda. Na maioria das vezes, chegava um pacote grande com legumes e frutas tirados da roça deles. Dinheiro mesmo para o aluguel e outras coisas que fazia falta, não vinha. Eles não tinham como mandar. Ela foi se virando...
A exemplo de outras estudantes, ela convidou mais duas moças para morarem com ela e repartirem as despesas. E as duas jovens vieram. Elas moravam em uma república de moças, umas oito moças, e acharam bom virem para cá. Afinal, seriam apenas elas três. Mais fácil de conviverem.
No fim do ano, se não conseguissem iniciar a pós-graduação, as duas se formariam e partiriam para outras paragens; se fossem continuar, ficariam mais alguns anos. Que elas se formariam, tenho certeza, pois estavam sempre estudando, muito aplicadas todas as duas. Estavam eufóricas de alegria com o final do curso, mas se e quando elas iriam, isso eu não sei...
Voltando um pouquinho, era divertido ver essas três moças. Cada uma mais bonitinha que a outra e sempre alegres, sempre brincando. Nunca ouvi uma desavença. Eram também do interior, mas estavam aqui na cidade grande há mais tempo que ela.
As três mocinhas se davam muito bem. Repartiam os afazeres e mantinham a casa limpinha, cheirosa. Aqui perto de mim sempre tinha flores, uns enfeites engraçadinhos, um sofá confortável, mais uma poltrona diferente dele, mesinha para apoiarem o chá da noite e outra lá no cantinho para o telefone. Tinha outro aparelho também lá no quarto dela. Tinha uma televisão pequena, mas estudando como estudavam, poucas vezes uma delas ligava a TV. Eu gostava quando ligava. A casa ficava mais alegre, pois elas gostavam muito de programas humorísticos. Acho que era para descansarem um pouco dos livros.
Elas três trabalhavam de dia e estudavam à noite. Nos fins de semana, limpavam tudo e faziam a comida quase que para a semana toda, colocando no congelador aquele monte de marmitinhas plásticas! Pela manhã, cada uma pegava a sua e lá iam as três para o trabalho, levando também os livros da faculdade.
Como eu sei desses detalhes? Confesso que a maioria do que lhes conto sei por ouvir falar, quando elas falavam alguma coisa lá da cozinha; outras vezes eu deduzia ou ficava sabendo quando podia presenciar. A casa é pequena e moça nova não fala baixo. Só se for pra contar segredo... Isso me faz rir porque podem estar somente duas, uma falando com a outra, que baixam o tom de voz quando o que falam não pode ser ouvido por mais ninguém. Mas... Eu escuto e elas não percebem isso.
Garanto que não me escutaram rir de novo...
Chegavam sempre num acordo para a arrumação e limpeza desta casinha de dois quartos, sala e banheiro. Como elas vieram quando a casa já estava alugada e mobiliada, dormiam as duas em um dos quartos e a nossa mocinha do telefonema no outro, sozinha.
Esse arranjo foi muito bom, pois pouco tempo depois, nossa mocinha começou a namorar esse moço dos carinhos loucos! E com esses namoros moderninhos (que não aprovo porque não são do meu tempo, ou melhor, do tempo em que passei a existir), vez ou outra o moço dormia por aqui mesmo. As outras duas moças nada diziam. Às vezes eu escutava o que elas comentavam, longe da amiga:
- Não sei o porquê, mas não confio muito nesse namoro, não. Fico com receio de ela ficar na mão e ele “dar no pé”!
Eu custei a entender o que é “dar no pé”, mas me lembrei de já ter ouvido essa expressão. Depois me lembrei: significa – ir embora, sair “à francesa”, sem aviso prévio, sem dar satisfação.
- Eu também acho isso, dizia a outra. Ela tem muito boa fé e está apaixonada! Já pensou se ele vai embora? Nossa, ela vai sofrer tanto! O pior é que não podemos falar nada!
Nem eu falaria alguma coisa... Primeiro, porque não falo, só enxergo e escuto e depois porque não seria da minha conta. Não sou mãe dela.
- Temos que ficar quietas, menina. Mas não confio nele, não. Ele tem uma cara de poucos amigos!
- Verdade, precisamos ficar atentas, pois ele pode aprontar alguma coisa ruim pro lado dela...
- Ou pro nosso lado...
- Cruzes! Vira essa boca pra lá...
Ah! Se eu pudesse falar alguma coisa! Não sou parente dela, mas eu vi umas coisas que não gostei. Um dia uma das meninas deixou a bolsa no sofá e o moço, sozinho aqui, mexeu na bolsa dela e parece que o que mais interessou a ele, foi a caderneta de poupança que encontrou no fundo da bolsa. Ele olhava para um lado, para outro, como se não quisesse ser surpreendido! Que coisa feia ele fez! Olhou bem e depois guardou. Nada tirou, mas, para mim, foi um gesto muito feio!
De outra feita, as duas estavam conversando sobre suas economias e percebi a sombra dele perto da porta. Elas não o viram. Estavam decidindo sacar o dinheiro das economias para comprar um carrinho. Ia facilitar em muito a ida para a faculdade e para os estágios em outros lugares!
A mim pareceu que aquele assunto interessou muito a ele!
Vamos ver no que vai dar. Tenho medo por elas...
O rapaz disse que viria à noite. Ela, então, faltaria à faculdade. Ou melhor, hoje é sábado, tinha me esquecido. Às vezes perco a noção do tempo uma vez que não preciso dele para nada! Que piadinha boba!
Ela não terá aula. Nenhuma das três. As outras duas vão trabalhar até o meio-dia somente. Com certeza vão passear um pouquinho, afinal, estavam cansadas de tanto estudar e trabalhar! Ela faltou ao trabalho.
Fico imaginando o que está sentindo. Logo antes das oito horas da manhã, ela telefonou e avisou que não iria trabalhar porque estava adoentada...
Sim, está adoentada de amor, de desespero...
Nada posso fazer por ela, a não ser observar tudo.
Ele chegou à noitinha. Foi recebido com todo carinho e aquele entusiasmo! Ela estava certa que conseguiria demovê-lo da partida. Tratou logo de servi-lhe um refresco, o predileto dele. O moço ainda perguntou:
- Não tem uns salgadinhos para acompanhar?
Eta moço entrão!
- Claro que sim, espera que vou buscar.
Enquanto ela se afastou, ele olhou para dentro do quarto das meninas, observando alguma coisa. Não dava para eu ver. Ouvindo os passos dela, voltou à postura de antes, acomodado no sofá.
A mocinha voltou logo e ele se pôs a comer e beber. Comentava sobre várias coisas. Ela procurava interromper para saber sobre a decisão dele de ir embora, mas sutilmente ele mudava de conversa. Depois começou um assunto sobre a curiosidade dele em saber se as meninas não gostariam de ter um carro... Ele tinha feito amizade com um vendedor de concessionária e queria ajudar o amigo a vender.
- É claro que sim! Elas até estão juntando dinheiro para comprá-lo! Já têm quase todo e vão comprar à vista, para sair mais barato!
- E quando vão comprar, já escolheram um?
- Acho que sim, mas não entendo muito disso.
- Interessante, porque eu tenho um ótimo negócio para elas! Gostaria de lhes falar. Elas estão em casa?
- Vão chegar daqui a pouco. Aproveitaram o sábado para irem ver alguns carros. Mas, me diga, por favor, você não vai embora logo, não é?
- Estou somente terminando de tomar umas providências e depois vou. Não posso perder essa oportunidade. É um emprego muito bom!
- E eu? Vou ficar sem você!
- Não posso fazer nada, é meu futuro! Tenho que ir sozinho porque nem sei onde vou morar, como será o alojamento e tudo mais. Como poderia levar você? Só se fosse doido!
- Mas eu sou doida por você e iria onde fosse, ficando onde desse! Não acredita? Afinal para onde vai?
- Até acredito, mas assim eu não quero. Primeiro, preciso correr atrás da estabilidade, depois do que eu gosto. E para aonde vou, ainda não ficou decidido. A empresa está montando novos escritórios e eu irei para aonde me mandarem.
A mocinha se satisfazia com as respostas dele. É boba, mesmo! Que vontade tenho de encostar esse moço na parede. Parece até que ele tem bom senso, não é? Mas alguma coisa na entonação de sua voz me leva a crer que ele está manipulando a verdade em proveito próprio. Eu fiquei desconfiada, mas não podia fazer nada como sempre.
O tempo passou um pouco. Afinal as meninas chegaram afoitas e felizes! Tinham verificado no banco as economias e já dava para elas comprarem o carro.
Uma delas tinha disparado a contar os detalhes e vi quando a outra a cutucava para que se calasse.
Aí, o moço começou a falar.
- Olha, tenho uma ótima idéia. Um amigo meu é vendedor de carros e vocês me dizem qual o carro que querem e eu providencio tudo! Posso até pedir para ele fazer um desconto!
- Onde é a loja dele, perguntou a mocinha?
- Não sei direito o nome da rua, mas podem estar certas, providenciarei tudo!
Eu enxerguei na mesma hora o que ele queria fazer! As meninas entusiasmadas, não viram nada! Nem aquela que era mais discreta nada percebeu.
- O que é preciso fazer? Perguntou uma delas.
- É só me dizer o tipo de carro, o ano que escolheram, a cor, esses detalhes todos, telefono para meu amigo e depois lhes digo o que deverão fazer.
- Tudo bem, então.
- Ta certo.
Concordaram na hora! Começaram a descrever o carro que tinham escolhido nos mínimos detalhes. Discordaram da cor, mas depois chegaram a um acordo!
A mocinha fitava o moço toda enlevada, pensando no tanto que ele era prestativo, atencioso e amigo de suas amigas!
O tempo passou... O moço se despediu... As meninas ainda ficaram comentando sobre a sorte de terem aquela chance. Nenhuma das duas se lembrou dos comentários feitos há alguns dias! Estavam enlevadas demais!
Eu, não. Enxerguei com tudo o que são olhos, o que aconteceria!
No dia seguinte, o domingo, o moço apareceu por volta do almoço e disse fingindo admiração:
- Pensei que já tivessem almoçado!
- No domingo a gente almoça mais tarde. Senta aí, almoça com a gente.
- Obrigado, vou fazer só uma boquinha, porque tomei o café da manhã meio tarde...
Deu uma risadinha marota. Tonto, pensa que eu não sei? Ele está cansado de saber que as meninas almoçam mais tarde no domingo e veio justamente “filar bóia”.
- Nossa! O macarrão está delicioso! Põe mais um pouquinho.
Desculpa esfarrapada. Ele está é com fome mesmo. Come como um desvairado!
A mocinha se desvela em servi-lo. É mais um pouquinho disso, mais um pouquinho daquilo e ele lá, comendo tudo o que ela coloca no seu prato!
As outras duas olham entre si como a dizer: vai ser guloso assim lá na China! Meio sussurrando, uma diz pra outra:
- Lá se vai o restinho do nosso jantar!
Começam a rir e a mocinha pergunta o porquê do riso.
- Nada, nada, uma piadinha boba que ela me lembrou!
Afinal, terminam o almoço. A comida foi quase toda. O que sobrasse elas comeriam requentado no jantar... Mas o jantar se foi... Antigamente, as pessoas tinham mais comedimento, mais educação mesmo na casa dos outros! Esse moço não tinha nem uma coisa, nem outra.
Levantaram-se das cadeiras, as moças rapidamente tiraram a mesa e colocaram a louça suja na pia. Depois lavariam... Foram para a sala. Sentaram-se no sofá. O moço se acomodara na única poltrona, impedindo, assim, de ter sua namorada ao lado.
E começou a lenga-lenga:
- Pois é, ontem falamos sobre o carro que vocês querem comprar. Ainda está de pé essa idéia?
- Claro que sim. Já olhamos nossa poupança e podemos comprar o carro à vista para ficar mais barato.
- Como disse antes, o meu amigo tem justamente o tipo de carro que vocês duas estão querendo. Ele disse que, na segunda-feira, pela manhã, ele pode fechar o negócio.
- Mas segunda a gente trabalha o dia todo! Não pode ser sábado que vem?
- Acredito que não convém, porque daqui a uma semana, ele pode já ter vendido o carro para outra pessoa! Pensei uma coisa agora...
Pronto, lá vem esse moço com as idéias dele! Só quero ver!
- Que idéia, pergunta a mocinha?
- Vocês podem fazer um cheque no valor do carro e eu fecho o negócio por vocês. À noite trago o carro e lhes entrego o documento de transferência assinado pelo meu amigo. O que acham?
Uma olha pra outra indecisa e arrisca um:
- Não sei... Acho que devemos arriscar e esperar até sábado que vem. Se ainda tiver o carro, a gente vai lá e fecha o negócio. É só você nos dar o endereço.
Pensei comigo mesma: Ainda bem que alguém tem juízo nesta... Meu pensamento foi interrompido pela mocinha:
- Credo, o que há com vocês duas? Não têm confiança nele? Noossa! É meu namorado! Vocês o conhecem já há um bocado de tempo! Tenham dó! Até me ofende!
- Não, não é isso. É que eu gostaria de ver o carro antes.
- Mas ele já descreveu o carro todinho!
- Eu sei, mas sabe como é, a gente fica curiosa, né?
O moço num relance levantou-se e foi dizendo:
- Está bem, não vou insistir com vocês duas, não. Façam como quiser. Agora vou-me embora.
O moço fez cara de amuado, cara de ofendido. Eu vi que era pura mentira! As meninas não viam assim. A namorada, então, estava agitada!
- É cedo, não vai, não. A gente nem ficou junto sozinhos! Você se ofendeu? Eu também fiquei sentida... Não liga pra elas, não.
Virando-se para as meninas, a mocinha completa:
- Vocês duas estão nos ofendendo! Nunca pensei!!!
- Está bem, está bem. Não é nada disso. A gente confia, sim. Imagina, só que bobagem! Venha, vamos lá ao quarto pegar o talão para fazer o cheque.
Ah, se eu tivesse voz! Teria gritado, berrado até: Nãããããõ, não façam isso! Mas tive que permanecer na minha quietude! Elas saíram da sala. Vi quando o moço deu um risinho de lado todo satisfeito. Com certeza, ia sair ganhando na transação. Talvez estivesse dando um valor mais alto pra tirar uma comissãozinha pra si mesmo. Sei lá! Não gosto muito do jeito dele, já disse a vocês que me lêem.
A mocinha ficou toda feliz, toda orgulhosa do moço estar ajudando suas amigas e, ainda por cima, ficaria mais um pouco para namorar à vontade!
As meninas voltaram. Uma delas trazia o cheque prontinho na mão e entregou ao rapaz. Ele leu tudo, viu que estava correto e ainda disse para que escrevessem o nome para o qual deveria ser feito o documento de transferência, número de documentos etc. A outra menina já havia feito aquilo e entregou também a ele um folha de papel com as informações e até um xerox do documento que ela tinha guardado.
- Pronto? Está tudo certo? Mais alguma coisa?
- Tudo certo, ele disse. Na segunda-feira à noite trarei o carro e o resto.
As meninas agradeceram e se retiraram.
O namoro? Faço questão absoluta de não contar. Tenho bronca desse cara e me dói ver a mocinha ser enganada e ele se aproveitar dela. Nesses momentos eu volto a ser o que sou: imóvel, surda, muda e cega.
Bem mais tarde escutei quando se despediu dizendo que no domingo iria ficar muito ocupado com seus afazeres, não podendo, portanto, vir ver a mocinha. Eu achei ótimo! Ela choramingou!
O tempo passou. No dia seguinte, na folga das três, elas foram passear no parque, comer lanche embaixo do arvoredo e descansar do trabalho e estudos.
A segunda-feira chegou. A rotina aconteceu. Trabalho e estudos.
À noite, as três chegaram, tomaram banho e foram preparar o jantar.
Os comentários fervilhavam a respeito do carrinho que iria chegar daí a pouco. Começaram a fazer planos para os fins de semana, visita aos pais no interior aproveitando feriados, ir ao shopping fazer compras e por aí vai.
Como sonham essas mocinhas!
O tempo passou... Começaram a ficar aflitas. A mocinha ligou no celular do moço, mas ele não atendeu. Conseguiu na lista o telefone da pensão onde ele mora e ligou. Perguntou por ele, pediu para chamá-lo. Escutou a seguinte resposta da dona da pensão:
- Ele se mudou ontem. Não está mais conosco. Levou tudo o que era dele. Pagou a pensão que até estava atrasada e disse que ia para outra cidade em busca de melhores condições de trabalho! O que? Não sei de mais nada, moça! Nem o nome da cidade ele disse! Só sei que encheu o carrinho que comprou e se mandou! Quer saber mais? Ainda bem, viu? Ele num é flor que se cheire, não!
O telefone foi desligado.
Não vou falar mais nada... Só direi o que sobrou:
Um coração partido...
Dois corações lesados...
Uma poupança perdida...
E uma sala vazia...