O MISTÉRIO DA PORTA
O cartaz, na verdade, é simplesmente uma folha de papel ofício deitada e manuscrita com letras maiúsculas e desenxabidas:
PRECISA-SE DE UM CONTO.
É URGENTE!
PAGA-SE O QUE FOR DE DIREITO...
Surpresa. Aguçamento.
Duas da tarde. O sol tinindo. A rua deserta... Devo ir embora?
Mas estou faminto e cadê tostão... Toco a campainha. Três vezes. O sujeito que atende (terno preto e óculos escuros) e a cara do Tommy Lee Jones; já o bigodinho é da Adriana Calcanhotto – se ela tivesse bigode.
“Vim pelo anúncio...”
“Ah! Pensei que fosse pela Rainha da Inglaterra... Venha comigo!”
Pasmo, já entro num elevador.
O bicho, veloz, não sei se sobe ou se desce.
Aí, de repente, para com um sacolejão!
Susto baita... Vixe!
O estranho não disfarça um risinho de deboche:
“Calma, isso é normal. Me acompanhe!”
Agora uma sala vazia. Um breve corredor. Outra sala, esta toda mobiliada. Outro corredor, este longo e sem qualquer saída lateral.
Ao final do corredor, uma porta – creio que de nuvem...
O homem tira seus óculos escuros; me encara:
“Ente aí. Seja cuidadoso! Eu sou Filho da Arte. Exijo autenticidade. O lado mais verdadeiro de cada um. Boa sorte!”
Ele torna a pôr os óculos, escarra na parede e pega o caminho de volta.
Eu respiro fundo e mergulho no mistério daquela porta... E me vejo numa espécie de galpão – enorme, fechado, iluminadíssimo. Ali, cerca de 90 homens. Nenhum percebe minha chegada?
Um “alegre” se aproxima balangando:
“Olá, meu nome é Peter D. Davis. O seu é...?”
Digo um nome falso, não sei por quê:
“Félix da Silva.”
“Olha, Félix, naquele baú – tá vendo? – tem papel e caneta. E não esqueça: meu nome é Peter... Bye!
Só nesse momento me dou conta de que os homens estão todos escrevendo – uns em pé, outros sentados em girassóis de Van Gogh, outros acocorados; há uns poucos no telhado, pendurados como morcegos...
Pego folha e caneta no baú.
Uma confortável poltrona-do-papai se materializa bem na minha frente!
Ora, tomo assento...
Daí a pouco, adentra um frangote de uns 14, 15 anos. Boné ao contrário e tênis horrorosos. Claro. Sua presença é ignorada.
Vou até ele:
“Ei, naquele baú tem papel e caneta!”
“O quê?”
“Papel e caneta, seu burro! Naquele baú!”
“...”
Volto para o meu canto. Para o me conto.
A caneta veleja. As palavras não se negam. Escrevo com grande excitação!
Penso:
“Sou o contista MÁXIMO do Brasil, talvez até do mundo inteiro!”
... MAS, QUE VOZERIO DESGRAÇADO É ESSE NA MINHA CABEÇA PROCLAMANDO QUE AQUELE DALTON DE CURITIBA É IMBATÍVEL, Ó DEUS???...