APÓS A CÓPULA, O ANIMAL TRISTE

(a Fernando Guimarães, poeta português)

Em verdade, nunca dormiram juntos, conquanto habitassem o leito a todo o tempo. Nenhum momento perdido para o ócio. Ali a vida nascia e se esvaía nos corpos, seguindo a trajetória das longas franjas das fronhas dos travesseiros. Ali, a lágrima era o gozo molhado. Nem tanto a comum penetração, porque tudo era um aríete sobre fendas das reles e convencionais contenções. Sobre o dossel, aos lados e acima, um toque de espelhos. Imagem de corpo inteiro, nua era a silhueta dos corpos, sacra como o cordeiro de Deus. Ali, saídos somente para o banho, o corpo era objeto de todo uso: dedos, pelos, boca, dentes, unhas. Plexos túmidos, vulva à relva do dorso, um feminino falus (ou quase ele) também copula a cavaleiro do ossinho doce do fim das costas. Era a festa dos sentidos... Mais que protuberâncias hauridas pelo fogo e ardências, o corpo todo gemia na corda tesa do desejo. E ficavam assim as três exatas horas do lapso temporal módico do motel de primeira. Não carecia de mais tempo, porque na cama só cabia o son(h)o vivo, acalentado de semana a semana. Ressonar era longe dali, logo que os dois voltassem aos seus parceiros de cama e mesa... Assim a vida se lacrava na memória. O restante era apenas o réquiem.

– Do livro O NOVELO DOS DIAS, 2010.

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