Quiabo

George esperava inquieto na cadeira azul da sala de espera. Eram aqueles bancos interligados, que podiam facilmente preencher uma coluna inteira e manter os baixos custos. As paredes eram pintadas num tom de bege enjoado que passava uma incrível sensação de limpeza. Fitava a sua frente um quadro supostamente modernista, que provavelmente havia sido comprado em um fajuto leilão pela internet.

As suas laterais encontravam-se duas jovens e belas moças: a da esquerda trajava uma fantasia executiva, portando uma grande bolsa bordô, em contraste com seu uniforme preto. A da direita era uma morena rechonchuda, com vestes muito simples, de um desagradável olhar doloroso.

Dor é claro, por que outra razão alguém iria a um endocrinologista?

O som transbordava o ambiente de maneira melancólica – maldito saxofone deprimido desse Getz – às vezes não entendia a música dos humanos.

Estava ali havia pelo menos 40 minutos - que na mente de George, contavam incontáveis horas. A secretária era uma mulher de ao menos trinta anos, aparentando muito mais, com pesados óculos de grau alto, que entortavam suas orelhas, para formar um ângulo oblongo, em relação ao rosto. O nariz era pontiagudo, afinado na região que sustentava as lentes, estava bem avermelhado, talvez devido ao frio, que acabava trazendo gripes e outras pragas urbanas.

Seria irônico, contrair gripe da secretária de seu médico. Àquela altura George já estava profundamente envolto em tais pensamentos inúteis. Foi então, que ouviu passos e risadas forçadas vindo do corredor, seguidas por um “até logo” cordial.

- George Hanson?

O médico era um senhor de idade, com uma bela e respeitosa barba, limpa e bem aparada.

-Ah... Olá George, como vai?

- O senhor sabe, não é doutor?

O médico assentiu, sabia exatamente porque estava ali.

Entraram no consultório, após um corredor inteiro de conversa fiada. Dr. Samuel fechou a porta delicadamente, um senhor muito distinto e educado, disso não se geravam dúvidas.

- Muito bem, meu caro, os resultados de seus exames de sangue foram insatisfatórios. Não consegui detectar nenhuma de minhas suspeitas, aparentemente, tudo está onde devia estar.

George olhou surpreso:

- Mas doutor, tenho dores terríveis...

O médico assentiu.

- Acredito em você George, mas serei obrigado a fazer uma endoscopia exploratória, a fim de detectar possíveis ulceras; já te alertei sobre isso.

O paciente estava um pouco nervoso, receber um tubo goela abaixo não era das mais animadoras idéias.

O médico executou o procedimento a risca, o havia feito tantas vezes que, agora, já se encontrava no “automático”.

O médico ficava examinando a tela do computador a procura de suas tão sonhadas úlceras, que simplificariam o diagnóstico. Pobre doutor.

Então, finalmente viu. Estava atônito, não conseguia entender o que ali se expunha.

O doutor inspecionou o vídeo repetidas vezes, era impossível acreditar no que via. Em 42 anos de carreira, já presenciara os mais desafiadores casos, mas o que agora se apresentava era completamente insólito.

- Por deus, George, por deus! – Exclamava o médico para o paciente desacordado.

Olhava para a imagem providenciada pelo tubo, sem entender.

Saiu em disparada em busca de seu sócio na clínica, precisava comprovar sua sanidade – além disso, não podia dispensar uma “segunda opinião”.

O médico entrou com seu sócio, doutor Poulsen, um infectologista de razoável popularidade.

O segundo olhou para as imagens, sem acreditar.

- Você está certo Paul! Por deus, Paul, por deus!

Após alguns minutos de uma forçada conferência, o eloqüente doutor Poulsen resolveu falar:

- Muito bem. Você consegue imaginar do que se trata?

O velho doutor Samuel, ainda atônito, falseava gemidos surdos, incapaz de se pronunciar.

- Veja homem, a situação pode parecer estranha, mas podemos ficar famosos por diagnosticar uma nova doença.

- Mas, são quiabos! Por deus, Peter, por deus!

Mesmo do alto de sua razão e experiência, tornava-se difícil objetivar a idéia de um quiabo germinando no estômago de um paciente.

Após mais alguns infindáveis momentos de balbucias entre dois velhos perplexos, foi decidido que se faria uma biópsia, visando identificar a estranha massa que se formara no estômago de George.

A semana correu a passos lentos para George, enquanto esperava febril, o resultado.

- Muito bem, George, os resultados chegaram... – Dizia Dr. Samuel até a brutal intervenção de seu paciente.

- E?

- Bom, os resultados confirmaram nossa primeira visão, apesar do absurdo, você tem quiabos crescendo no seu estômago. Felizmente, acho que podemos removê-los com uma cirurgia relativamente simples.

George suspirou aliviado.

- O que pode ter causado, doutor?

-O fator mais provável é a ingestão de alimento humano que é capaz de produzir reações estranhas dentro do nosso organismo.

George estava inconformado com a naturalidade com a qual o médico já tratava o assunto.

- O que devo fazer até a cirurgia?

- Se alimente bem, pra suprir suas novas necessidades e tente manter a calma.

Enquanto ouvia atento a história de seu irmão, uma idéia mirabolante brotava em sua mente.

-Quer dizer que você tem uma plantação de quiabos dentro de você?

George assentiu diante da obviedade.

- Desmarque a cirurgia meu irmão, nós vamos ficar ricos!

George estava estarrecido.

- Pense bem, meu irmão, o quiabo, é um fruto... Pelo menos acho que é um fruto... Não importa... Muito apreciado pelos humanos, para tanto, se conseguirmos produzi-lo em massa, teremos monopólio, pois a temperatura corporal não muda, logo poderemos ter quiabo o ano todo e ainda provavelmente um quiabo com um fenótipo diferente, quem sabe até mais resistente e saboroso, afinal ele absorverá nutrientes direto da parede de seu estômago.

- Mas e as dores? São terríveis!

O espírito empreendedor falou mais alto.

- O que não se resolve com comprimidos, hoje em dia?

Por que não?

George e seu irmão agora estavam sentados num amplo e arejado escritório em mogno, ouvindo o saxofone multifacetário de Shorter. Acima de suas cabeças erguia-se um letreiro especificando o slogan de sua empresa: “Hanson & Hanson – O seu quiabo faz parte de nós”.

George satisfeito olhou a “estufa”, onde centenas de gigantes dormiam sob as condições ideais para o cultivo de quiabo.