Labirinto da alma

Novamente , estava fazendo . Era como se todos os dias fossem iguais . Extremamente .

Um olhar , um toque e estava , presa às mesmas formas : sua cadeira e o horizonte todo lá fora . Quantas vezes não olhara , tentando entender qualquer tipo de entendimento .

Às vezes compreendia . Para falar a verdade , na grande maioria , sim . Só que não gostava de fazer afirmações . Motivo ? Medo de achar-se . Talvez na pior criatura já existente ; ou , exatamente o oposto : achar-se muito boa a ponto de não saber como usar tal adjetivação a seu favor .

Permanecia parada , estática . Poderia considerar-se uma pessoa enferma : sua mente era o único órgão que funcionava .

Sorria . Falava. Comia. Andava. Corria. Chorava. Eram “nãos” , então não valiam , propriamente .

Pensava que se fizesse uma “viagem” através do próprio sono acordado , poderia ser capaz de se afirmar novamente . Será ? Mas , como ? Fecharia os olhos e deixaria se levar ? Mas para onde ? Saberia como se portar lá ? Teria mais medo ainda ? Cairia num abismo gigante , sendo incapaz de voltar ? Acharia o paraíso ? Ou o próprio inferno das indagações ?

Dúvidas . Ah!

Saberia , teria de fazer um esforço sobre (...) humano para garantir algo . E aí ?

O som da chuva caindo sob a terra era completamente tentador ... Queria entrar por entre cada pingo , sentindo , assim , qualquer impacto . Machucaria ? Ou era uma forma de anestesia ? Já que a forma era incolor mesmo .

Quer jorrar ou pingar ? Ser intenso ou “mais ou menos” ? Ou ser o meio ? Você na confusão .

Pensando bem , você é a confusão : não sabe ao certo para que lado ir . Anseia jorrar e pingar ao mesmo tempo . Uma desordem . Ou uma ordem querendo se confundir ?

Quem é você ? Quem é você ? Quem é você ?

O céu possuía tantos significados . Não sabia o que olhar , certamente . Mais milhões de perguntas sem respostas .

Precisava tomar atitudes . Sim ou não ? “Anda logo!” , refletia .

Perdia tempo pensando pensar . “Atitudes falam mais do que pensamentos!”

Enlouquecia , também .

Tornava-se o próprio vício estampado : a repetição .

Até quando ? Dar um passo a mais parecia mais difícil do que aceitar todas suas “afirmações” .

A noite a fazia sentir menos humana . Porque gostava da escuridão e o que esta poderia lhe proporcionar . Mais por razões sexuais do que qualquer outra coisa .

Se pensamentos virassem cenas reais , ela certamente seria a mais impura das criaturas . Homens , mulheres , pênis , vaginas , gozos , gritos , gemidos ; uma mistura altamente erótica , pode-se até chamar pornográfica . Mas esta era ela e não tinha como fugir da dura realidade .

Uma humanização menor ligava-se diretamente ao fato de quando buscava o prazer intenso mergulhava dentro de um personagem . Ansiava ser tão impura quanto . Mas era apenas questão de minutos .

Gostava de se ver “suja” . Poderia até encontrar ali o oposto desejado : a frieza estampada , entrando e saindo ritmadamente de outro corpo . Mas era apenas questão de minutos .

Mais um ciclo havia terminado.

E aí ? O que viria a seguir ?

Ao fechar os olhos infelizmente lembrava-se : “sentiu um toque . Virou-se , imediatamente reconhecendo aquelas linhas . O belo . Sorriu . Os lábios se encostaram . Línguas roçando numa velocidade excitante porém ao mesmo tempo indescritível .

O cheiro do sexo cobria as paredes geladas .

Seus dedos agora penetravam , severa e carinhosamente o sexo encharcado . Um . Dois .

As pernas tremiam . Sentiu a boca chupando , gemeu ; mais fundo ; suas mãos não paravam : ora segurava a cabeça ora o lençol .

A penetrou com a língua . O gosto tomou conta dos lábios de uma maneira incontrolavelmente perversa . Mais , mais ...

Acendeu um cigarro .

Sem contato . O medo do envolvimento era maior do que seus próprios sentimentos para .”

Não gostava de ter em mente momentos assim . Porque a remetia à maior posição de passividade possível . Mesmo na cama sendo o contrário . Pois , quando se tratava da “vida real ” , jogava como defensor . O atacante tinha pavor de sair da área protegida .

Adormecia da mesma maneira , como se a “Laranja Mecânica” respirasse à centímetros de seu rosto . Apesar , enlouquecia com tal episódio . Contraditório , não ? Lembrar a deixava com sensações que queria e não apagar .

Enfim ... participava da cena principal , do filme que nunca será contado .

Vai mais uma aí ?

Se abrisse os olhos novamente , teria a mesma linha de pensamento ?Ou tentaria burlar todas as conseqüências do mesmo ? Se continuasse dormindo , mas acordada , seus olhos a guiariam para além ?

Olhou em volta ; tudo se movimentava com a mesma velocidade de uma estátua .

Ao sentir o vento frio quebrando as barreiras de seu rosto , sabia que era o momento .

Espreguiçou-se sob a madeira daquela janela antiga .

Observou que tudo possuía uma forma , independente de como . Estariam , elas ( as formas ) respirando também ? Fingindo ser ? Ou realmente sendo ? As que tinham cores , sabiam mais ? Poderiam ser os “para além de” ? Ou isso apenas atrapalhava sua sobrevivência ? Porque , viver num mundo incolor , destacado-se do preto , poderia ser chamado de egoísmo? Prepotência ? Os diferentes realmente os eram ? Talvez fosse somente um nome para não dizer que eram absolutamente iguais . Quem sabe ? Oh ...

Após tantas suspeitas , cansou . Aos poucos , sem perceber , adormeceu :

O vento cruzava por entre os longos cabelos . Caminhava . Seguia em frente ?

Algo faltava . Compreendia , porém não queria compreender .

Enxergou uma pedra ao longe . Sentou-se . Pequenas pedrinhas decoravam . As recolheu . Com a palma da mão aberta , pegava uma por uma , tacando em outras .

O barulho refletia sobre os próprios sons : fechado ; abafado ; rítmico , mas descompassado .

Ficou por horas a assistir àquela cena . Imaginava quando não existissem mais pedras . Significava que o fim se aproximava ? Talvez o fim do começo que bizarramente queria ignorar . Não se achava forte o suficiente para dar a partida . Queria sempre posicionar-se no meio .

Avistou , ao longo do sol que cismava em cegá-la , um homem carregando um suposto livro .

Por um momento pensou em correr , mas aqueles olhos negros a hipnotizaram tanto , não conseguindo nem lembrar de como se respirar .

Ele andava ritmadamente , que , ficou complicado para ela perceber a total aproximação .

Agora o sol não a cegava e sim o rosto , tão ... curioso .

Franziu a testa , piscando um olho , para assim enxergar melhor .

O homem , fitando-a continuamente , ajoelhou-se , colocando as mãos em suas pernas .

Ambos agora estudavam os próprios olhares , talvez , podendo se reconhecer na espelhação de cada .

Nada disseram . Também não conseguiriam . Era tão intenso , mas tão ... e acolhedor , como o olhar de um pai ao orgulhar-se da filha .

Enquanto isso , a mão direita do homem tocou no rosto branco da menina . Ela suspirou , automaticamente fechando os olhos . A acariciou .

Mesmo sendo um estranho sentiu-se completamente confortável .

Uma pessoa pode se enxergar em pequenos fragmentos de outras? Ou em pequenos fragmentos de si mesmo , perdidos no espaço da própria imaginação ?Ou no olhar daquele estranho ? Que , por ser estranho acaba tornando-se mais normal do que você e sua fragmentação duvidosa imaginavam .

A cada toque das mãos pesadas , um suspiro .

Sentia-se tão segura . Nunca havia tido dúvidas , parecia . Toda insegurança desapareceu . Era como milagre . Mas ela não acreditava , então , como seria possível ?

Largou os dedos de seu rosto , logo fazendo todas incertezas voltarem para o corpo da menina .

A encarou novamente , dizendo :“Leve o livro!Lhe trará o que já conheces , mas é questão de enxergar . Por favor , não desconsidere . Adeus!”

“Mas , calma ...”

Não foi o suficiente . Apesar de ter sido apenas questão de segundos , o homem andava a quilômetros de distância . Tornava-se um ponto escuro naquela imensidão infinita .

A menina , segurando o “livro” com a mão esquerda ( e a direita a cabeça ) não entendia . Estaria tendo alucinações ? Teria visto Deus ? Mas como ? Seria ela no paraíso , refletindo ? Poderia estar ali , vendo a pessoa que mais amava , mas que não tinha coragem de admitir ? Poderia ... ?

Sem querer , um de seus dedos tocou no “livro” , o que a fez tremer .

Sentou-se novamente na pedra . Respirou fundo . Olhou em volta daquela capa branca , ilustrando .

Hesitou , por um instante . Logo após , abriu em alguma página . Rá! Queria sempre posicionar-se no meio . Arregalou os olhos . Como poderia ? As páginas estavam completamente em branco . Por quê ?

Lembrou da voz , agora ecoando em seus pensamentos :”Lhe trará o que já conheces , mas é questão de enxergar.”

Como assim ? Cada vez mais iria perdendo o controle de si mesma e de sua sanidade .

Sempre pensou que o irreal era mais tranqüilo do que a realidade . Mas ...

Então fechou os olhos . Bem forte . Muito forte . Extremamente forte , a ponto de cegar-se interiormente .

Já não observava mais . Despertou , assustada . Ao abrir os olhos , sentiu pequenos pontos piscando . Confusão .

Desesperadamente procurou algum ponto de apoio . Não no sentido material ; queria buscar por ela .

Sentiu o próprio hálito tocando os lábios : estava cansada . Se via presa às mesmas faces , porém começou a perceber o valor que certos sentimentos lhe despertavam : algo fora modificado .

Qual é a próxima interrogação , por favor ?

Não tinha certeza de nada , mas , se não era nada , como poderia estar certa ?

Talvez ficaria presa na teia embolada dos adjetivos que lhe rondavam ; pensaria em desprender-se : mas , se desse a afirmação , viveria de quê ? de flutuações ? ; aniquilaria cada parte adjetivada , tentando buscar aí uma compreensão maior ; ou escolheria alguma , deixando os restos . Tantas escolhas ...

Um ponto final seria a solução ? Mas de quê? Para quê?

Talvez para deixar em branco partes de uma história que um dia pensou em contar .

Mariana Rufato
Enviado por Mariana Rufato em 23/09/2010
Código do texto: T2514906
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