QUE AVENTURA!




 
Seu Antonio parece ter boa saúde. Com voz forte, conversa sobre futebol e política com quem lhe dá atenção. Calculo que já tenha passado um tanto dos oitenta, não sei exatamente quanto. Mora aqui perto com o filho, a nora, as netas e até um bisnetinho. De vez em quando anda sozinho pela rua, decerto para esticar um pouco as pernas, se exercitar. Outro dia até o vimos em passinhos firmes um pouco mais longe e nem estranhamos. Quem é que não gosta de dar umas voltinhas, não é?

Pois agora soubemos que esses inocentes passeios têm para ele um significado especial: o caminho da liberdade! Quando todo mundo está entretido em casa, ocupado com as atividades domésticas, sorrateiramente ele sai de fininho. Foge. E um dia nada do velho voltar. Sumiu. Foi aquele alvoroço, a família correndo, cada um para um lado. Até que na portaria do condomínio disseram que ele tinha passado por ali, sim, avisando que ia para São Paulo. Atravessou a rua e pegou a condução para a Rodoviária. Foram atrás, mas chegaram tarde. Ele já havia embarcado...

Posso até imaginar sua felicidade durante a viagem. Devia estar se deliciando com aquela sensação gostosa de ver realizado o sonho tão acalentado. Voltar para São Paulo! Imaginei também que talvez não fosse propriamente a cidade que o atraísse, lá no fundo do coração o que ele desejava mesmo era recuperar um tempo vivido. Passado. Quando a esposa ainda era viva, os filhos jovens, ele cheio de energia... E estremeci ao pensar na triste realidade, o que faria Seu Antonio ao se deparar frente a frente com sua querida cidade? Para onde iria ele?... Não se perderia na multidão?...

Assim que o ônibus encostou na plataforma e alegrinho ele pôs os pés para fora, o sonho acabou. A primeira pessoa que ele viu ali, aquela mulher segurando o celular na orelha e a outra mão na cintura, não lhe pareceu desconhecida...



Era uma de suas filhas!
 






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