UM INSÓLITO KLEITON COM "K"

Quando ele nasceu, deram-lhe apenas um nome.

Não foi um nome comum como Antônio, João ou José, mas sim um nome que lhe faria diferente nesse mundo.

Não tinha sobrenome o menino Kleiton com Ká!

A mãe fazia questão de frisar o "K", que certamente o livraria do destino inicial tão comum, o de possuir um nome com a grafia num mero português que todo mundo tem. Não não, com ele seria bem diferente!

" Cleiton com "C" de casa, já tinha muitos por aí", dizia a mãe com certo ar de superioridade.

O menino não tinha pai, ou melhor, ao menos não constava nome sequer dum progenitor na sua certidão de nascimento.

E, por acaso, alguém precisaria provar que para se nascer haveria que existir um pai nesse mundo?

"Se hoje até já se faz gente no laboratório!" dizia a mãe com todo conhecimento de causos e de causas, de causas nobres como aquela sua, de mais uma barriga que acabara de desembuchar o sétimo filho de sua larga produção independente.

Porém, documento não seria problema algum para uma mulher com a garra da mãe daquele Kleiton com K. Não fizera o filho sozinha, mas seria alguém de peito suficiente para amamentá-lo e criá-lo! Fora assim com os seus outros seis e não seria diferente com ele!

E kleiton crescia, orgulhosamente com seu exuberante K, a sonhar em ser mais um famoso jogador do futebol de campo, exatamente como todos os garotos daquela comunidade. Não havia muitos sonhos diferentes por ali...e aquele lhe parecia o de caminho mais fácil.

E dizia a todos que talvez lhe bastassse mais um "K" apenas, para a tão sonhada conquista da vida: seria um Kleiton com dois Ks.

Kleiton KK.

E aconteceu que um dia chegaram as eleições lá na sua comunidade, uma festa muito esperada.

Kleiton votaria pela primeira vez no político dos seus sonhos, escolhido a dedo, aquele que prometia a tão sonhada escolinha de futebol lá nas suas imediações da comunidade.

Para aquela sua tenra juventude os políticos sempre falavam muito...e claro, Kleiton se iniciava no acreditar, a cada vez mais sonhar em ser Kleiton com dois ks!

Não seria tão impossível assim.

Esperançoso, tirou o seu título de eleitor no dia seguinte ao seu aniversário, aonde orgulhosamente já se via em letras garrafais "Kleiton com K". Soletrava suas poucas letras com certa dificuldade, pois aos dezesseis anos ainda não aprendera a fluir na leitura.

Sua mãe dizia que Kleiton tinha "nó nos miolos".

"Não sou nozado não mãe, vixi, se a senhora sempre disse que sou um Kleiton com K!" explicava orgulhoso mas envergonhado, todas as vezes em que sua mãe, na marra, tentava desenrolar sua língua na arrastada leitura.

" Um dia vou ser Kleiton com dois Ks, viu mãe, e a senhora vai ter orgulho de mim!".

E o grande dia chegou.

Kleiton com K, de gel no cabelo e título no bolso da camisa, seria alguém de importância cidadã, alguém que aspirava ao respeitoso sobrenome com dois Ks...o que aquelas urnas lhe confirmariam. Um dia seria alguém naquela vida, decerto que seria!

Porém, na exata hora do voto, quando na fila da cabine de votação, foi confundido por um tiro certeiro dado como bala perdida.

Caiu estatelado, a sangrar pelo peito, antes de confirmar seu destino que agora lhe dava o derradeiro nó.

Dizem que a bala atravessou seu documento de eleitor, cravejou seu coração e desatou o "nó" dos seus miolos.

Ninguém nunca esclareceu o que de fato aconteceu naquele dia, porém, apesar de seu candidato ter ganho nas urnas, jamais cumpriu a promessa do tão sonhado campinho de futebol.

No marco zero do seu sonho, numa humilde lápide, hoje vagamente se lê a histórica inscrição:

"Ele foi o Cleiton, um menino que sonhou ser KK".

Nota da autora:

Nome fictício, porém baseado em cenário real.