Ainda estou aqui!
Jamais esquecerei que vovó Helena sempre dizia que já tinha vivido demais e que já estava na hora de ir embora, isso quando tinha completado mais de 75 anos. Seu argumento era de que a vida tinha sido dura com ela e que já tinha criado os filhos ( cinco e mais duas sobrinhas) e não precisava mais ficar neste mundo. Sua espera pelo morte demorou um pouco e aquele desleixo por viver e desejo de morrer só foi realizado aos 80 anos, com uma serenidade sem precedentes. Aliás, graças a sabedoria do médico que a assistia nos seus momentos finais.
Este médico tinha no seu conceito que os velhinhos são especiais e devem ser respeitados na sua vontade de ir embora deste mundo. Para ele, os poderosos equipamentos tecnológicos da área médica, máquinas para respirar, fazer o coração funcionar artificialmente foram construídos para salvar vidas, sim, mas para idosos seu uso deveria ser analisado sempre com muito cuidado.
Vovó Helena sem explicações aos familiares, certo dia deixou de levantar de sua cama, não queria mais comer e só dormia. Esta apatia sem uma doença anunciada deixou apreensiva a família e preocupou o seu médico, que imediatamente internou-a num hospital para uma série de exames. Ela foi revistada inteirinha e nada apareceu. Nenhuma anomolia aparentemente, apenas uma infecção sem alarmes no exame de sangue. Pelo menos foi isso que o médico disse aos familiares e mandou vovó para casa – era que ela mais queria, ficar perto da filha – e acompanhou-a com medicações diárias.
“Ela está cansada de respirar”, brincava o doutor. “Não descobrimos nada de alarmante nos exames e num caso destes seria preciso operar para descobrir se existe algum problema”, argumentava, e já arrematava dizendo que não aconselhava cirurgia nesta idade. Talvez ele soubesse o que ela tinha, quem sabe uma doença grave incurável... Será um mistério que nunca saberemos ao certo porque segredo médico será sempre um segredo.
O fato é que vovó ficou em casa sendo assistida por todos, especialmente por minha mãe ( a única filha) e meu irmão que ainda morava na casa dos meus pais e era o neto preferido de vovó, em razão de que ela tinha praticamente criado ele desde bebe. Sua agonia durou de janeiro a abril.
Um dia em um dos seus delírios, quando mamãe chegou perto da cama e começou a acariciá-la, ela recobrou a lucidez, e como se tivesse acordado de um sono profundo em função do toque em seu corpo disse:
- ”Nossa! Eu ainda estou aqui!”, exclamou. Depois retornou a inconsciência e algumas horas depois deixou a vida para trás.....