CHICO PIORRA, O VIDENTE INFALÍVEL II
--- Por quê Chico Piorra?
Alcides caminhava ao meu lado. Dirigíamos rumo à casa do seo Chico, três ruas paralelas acima de onde estávamos.
Alcides é um, amigo de infância, filho de dona Nenê do Santinho, ele, carroceiro na praça.
Há dias, queixou-me, seu cavalo de nome pirulito, desaparecera. Contou-me das infrutíferas andanças buscando o animal, e nada! Desconfiava que algum ladrão o tivesse levado para outra cidade.
Em conseqüência, a família vivia privações sofridas justamente pelo sumiço do animal. Sem ele o Alcides não trabalha, não tem como alimentar a prole. Comecei a ver o desespero gravar na cara do amigo. Urgia pressa procurar seo Chico na esperança dele, quem sabe, nos dar uma luz!
Nada mais, nada menos, era o que estávamos fazendo.
---Confiado no que o seo Nélo da venda falou --- respondi a ele --- teve época em que ele bebia demais, andava cambaleando feito piorra prestes a cair... cambaleava, cambaleava, mas não caía. A partir de então o apelido pegou. Expliquei a ele sua curiosidade inicial.
Seo Chico morava só. A casa ficava na parte final do lote, cercada por muro baixo na frente. Ao chegarmos surpreendemo-lo a trancar a porta preparando-se para sair. Numa das mãos levava pequena maleta.
Cumprimentei-o, indagando-lhe o destino.
--- Viagem perto... ali pra Abadiânia... venham! Vocês não me atrapalham!
Nisso abriu a porta convidando-nos a entrar.
--- Não vamos atrapalhar seu horário? Ponderei.
--- Não! Eu saía com tempo!...Vamos sentar.
Sentamos. Fiz a apresentação do Alcides e, sem delonga, comecei a desfiar o drama vivido por ele.
Seo Chico ouviu atencioso, meditativo e calado; todavia, os olhos tristes estavam pregados na figura apreensiva do carroceiro.
Terminado o relato, assim como estava dirigiu-se lacônico a Alcides: “Não roubaram seu cavalo”.
Falou e calou-se. Sobreveio, na esteira do esclarecimento do vidente, um silêncio expectador, criando-se no curso da conversa grande tensão de nossa parte por novas revelações, quando os sinais visíveis, por elas, marcavam-se veementes no rosto agoniado do amigo.
O anfitrião remexeu na cadeira projetando o corpo para frente e saiu do mutismo que se encontrava.
--- Vou lhe dar umas instruções em que o sr. terá de segui-las à risca. Enfatizou o final da frase quanto ao rigor da sua conduta absolutamente calada no cumprimento da missão.
--- ... hoje é 3ª. feira, na 5ª feira o sr. prepara um bornal com alimento e água para um dia... agora, presta atenção: às 5h da manhã o sr. vai tomar a estrada que leva à vizinha cidade de Nerópolis, e sem conversar ou dirigir a palavra a ninguém durante o dia, o sr. vai encontrar o seu animal por lá!
As feições do Alcides finalmente se abrandaram num sorriso.
--- ... não ofereço um café pois estou despreparado. Justificou.
Despedimo-nos tendo a oportunidade de acompanhá-lo por um bom trecho.
E assim o Alcides procedeu. Preparou a matula na capanga, a cabaça d’água, corda, cabresto e, ainda escuro, saíu de casa. Atravessou a cidade rumo a Matriz de Campinas, ponto referencial de saída para localização predita do pirulito. Pelo caminho, à vista de poucas pessoas, lhes negava devolver os cumprimentos conforme fora orientado. Muito caminhou chegou ao Meia Ponte não demorando chegar na velha estrada cascalheira seguindo direto a Nerópolis; já os primeiros albores mostravam-se no horizonte.
Seguia confiante e atento a tudo em volta, na firme convicção que pudesse encontrar o animal por ali. Não por acaso saía da velha estrada se desviando a outra, cujos destinos levavam a uma casa previamente avistada donde pudesse surgir notícias; outrossim, a prováveis lugares de água ao largo do campo, pela razão natural da sede do animal exigir.
Conta ele que por duas vezes a situação lhe pregou peças. Na primeira delas, enxergou um animal pastando num descampado; via-o de longe mas ao se aproximar não era o pirulito; na segunda, ouviu o relincho de animal amoitado em isolada capoeira e, ao averiguar frustrara-se novamente. Tratava-se agora de uma égua branca, na certa distanciada de alguma casa por ali.
Passava do meio dia. Na solidão do ermo o calor insano de um sol escaldante lhe atormentava o corpo ainda sob o efeito do novo fracasso, passando então a pesar sobremaneira em seu combalido ânimo, embora a fé na indicação do vidente o estimulasse. Prosseguiu.
Em meio ao ralo cerrado escolheu uma de suas raras árvores sombreadas mitigando por ora o estafante cansaço, ensejando-o alimentar-se também.
“Chegava perto das 3h da tarde; 2 h após encontrar o cavalo desconhecido amoitado,--- continuava ele --- já bastante cansado, a estrada começava a subir por uma colina coberta de vistoso capinzal quando ouviu, vindo do outro lado da encosta um relincho distante; temeu por um momento fosse ilusão dada a ansiedade que se encontrava. Mas não. O relincho sucedeu. Novo ânimo o possuiu. Subia apressado a colina aos trancos, percebendo que no lado oposto que viera a vegetação crescera diferente: a planície por ali fora tomada por abundantes árvores de pequeno porte dispersas em meio do alto capinzal. Firmou pois a visão perscrutando em volta, ocorrendo certo momento divisar algo diferente a mover-se por entre as plantas. Seu coração bateu forte; surgia assim uma nova oportunidade para ele. O cansaço quase o levara a desanimar. Gritou a repetir: Pirulito! pirulito! A princípio nada ouviu. Continuou em seguida descendo, quase a correr. Aproximando-se do provável local do relincho tornou a gritá-lo, e, em resposta, pirulito finalmente correspondeu com um novo e prolongado relincho. Conhecera a voz do dono. O bicho estava lá pastando na maior tranquilidade! E olha que o local era de quase seis léguas de casa! Chamou-o novamente e aí não deu nenhum trabalho para botar-lhe o cabresto. Montou no danado fugitivo e... pra casa!... chegamos aqui de noitinha.”
--- E como esse cavalo foi parar tão longe? Indaguei-o admirado.
--- Não sei.... cheguei a pensar que estivesse seguindo alguma égua no cio ao deparar-me com uma por lá...caso contrário, se alguém o levou, arrependeu-se e o abandonou, para minha sorte!
--- Encontrou algum conhecido pelo caminho?
--- Até que encontrei. O problema é que não podia falar, né!... Aliás, alguns até me cumprimentaram e não pude responder. Agora tenho de procurar um por um e explicar.
--- Temos também de procurar seo Chico e agradecê-lo.
Alcides não cabia de contentamento. Comprou inclusive uma boa pinga de engenho fabricada em Campo Formoso e levou-a, agradecido, pro homem.
Seo Chico Piorra merecia, não?
--- Por quê Chico Piorra?
Alcides caminhava ao meu lado. Dirigíamos rumo à casa do seo Chico, três ruas paralelas acima de onde estávamos.
Alcides é um, amigo de infância, filho de dona Nenê do Santinho, ele, carroceiro na praça.
Há dias, queixou-me, seu cavalo de nome pirulito, desaparecera. Contou-me das infrutíferas andanças buscando o animal, e nada! Desconfiava que algum ladrão o tivesse levado para outra cidade.
Em conseqüência, a família vivia privações sofridas justamente pelo sumiço do animal. Sem ele o Alcides não trabalha, não tem como alimentar a prole. Comecei a ver o desespero gravar na cara do amigo. Urgia pressa procurar seo Chico na esperança dele, quem sabe, nos dar uma luz!
Nada mais, nada menos, era o que estávamos fazendo.
---Confiado no que o seo Nélo da venda falou --- respondi a ele --- teve época em que ele bebia demais, andava cambaleando feito piorra prestes a cair... cambaleava, cambaleava, mas não caía. A partir de então o apelido pegou. Expliquei a ele sua curiosidade inicial.
Seo Chico morava só. A casa ficava na parte final do lote, cercada por muro baixo na frente. Ao chegarmos surpreendemo-lo a trancar a porta preparando-se para sair. Numa das mãos levava pequena maleta.
Cumprimentei-o, indagando-lhe o destino.
--- Viagem perto... ali pra Abadiânia... venham! Vocês não me atrapalham!
Nisso abriu a porta convidando-nos a entrar.
--- Não vamos atrapalhar seu horário? Ponderei.
--- Não! Eu saía com tempo!...Vamos sentar.
Sentamos. Fiz a apresentação do Alcides e, sem delonga, comecei a desfiar o drama vivido por ele.
Seo Chico ouviu atencioso, meditativo e calado; todavia, os olhos tristes estavam pregados na figura apreensiva do carroceiro.
Terminado o relato, assim como estava dirigiu-se lacônico a Alcides: “Não roubaram seu cavalo”.
Falou e calou-se. Sobreveio, na esteira do esclarecimento do vidente, um silêncio expectador, criando-se no curso da conversa grande tensão de nossa parte por novas revelações, quando os sinais visíveis, por elas, marcavam-se veementes no rosto agoniado do amigo.
O anfitrião remexeu na cadeira projetando o corpo para frente e saiu do mutismo que se encontrava.
--- Vou lhe dar umas instruções em que o sr. terá de segui-las à risca. Enfatizou o final da frase quanto ao rigor da sua conduta absolutamente calada no cumprimento da missão.
--- ... hoje é 3ª. feira, na 5ª feira o sr. prepara um bornal com alimento e água para um dia... agora, presta atenção: às 5h da manhã o sr. vai tomar a estrada que leva à vizinha cidade de Nerópolis, e sem conversar ou dirigir a palavra a ninguém durante o dia, o sr. vai encontrar o seu animal por lá!
As feições do Alcides finalmente se abrandaram num sorriso.
--- ... não ofereço um café pois estou despreparado. Justificou.
Despedimo-nos tendo a oportunidade de acompanhá-lo por um bom trecho.
E assim o Alcides procedeu. Preparou a matula na capanga, a cabaça d’água, corda, cabresto e, ainda escuro, saíu de casa. Atravessou a cidade rumo a Matriz de Campinas, ponto referencial de saída para localização predita do pirulito. Pelo caminho, à vista de poucas pessoas, lhes negava devolver os cumprimentos conforme fora orientado. Muito caminhou chegou ao Meia Ponte não demorando chegar na velha estrada cascalheira seguindo direto a Nerópolis; já os primeiros albores mostravam-se no horizonte.
Seguia confiante e atento a tudo em volta, na firme convicção que pudesse encontrar o animal por ali. Não por acaso saía da velha estrada se desviando a outra, cujos destinos levavam a uma casa previamente avistada donde pudesse surgir notícias; outrossim, a prováveis lugares de água ao largo do campo, pela razão natural da sede do animal exigir.
Conta ele que por duas vezes a situação lhe pregou peças. Na primeira delas, enxergou um animal pastando num descampado; via-o de longe mas ao se aproximar não era o pirulito; na segunda, ouviu o relincho de animal amoitado em isolada capoeira e, ao averiguar frustrara-se novamente. Tratava-se agora de uma égua branca, na certa distanciada de alguma casa por ali.
Passava do meio dia. Na solidão do ermo o calor insano de um sol escaldante lhe atormentava o corpo ainda sob o efeito do novo fracasso, passando então a pesar sobremaneira em seu combalido ânimo, embora a fé na indicação do vidente o estimulasse. Prosseguiu.
Em meio ao ralo cerrado escolheu uma de suas raras árvores sombreadas mitigando por ora o estafante cansaço, ensejando-o alimentar-se também.
“Chegava perto das 3h da tarde; 2 h após encontrar o cavalo desconhecido amoitado,--- continuava ele --- já bastante cansado, a estrada começava a subir por uma colina coberta de vistoso capinzal quando ouviu, vindo do outro lado da encosta um relincho distante; temeu por um momento fosse ilusão dada a ansiedade que se encontrava. Mas não. O relincho sucedeu. Novo ânimo o possuiu. Subia apressado a colina aos trancos, percebendo que no lado oposto que viera a vegetação crescera diferente: a planície por ali fora tomada por abundantes árvores de pequeno porte dispersas em meio do alto capinzal. Firmou pois a visão perscrutando em volta, ocorrendo certo momento divisar algo diferente a mover-se por entre as plantas. Seu coração bateu forte; surgia assim uma nova oportunidade para ele. O cansaço quase o levara a desanimar. Gritou a repetir: Pirulito! pirulito! A princípio nada ouviu. Continuou em seguida descendo, quase a correr. Aproximando-se do provável local do relincho tornou a gritá-lo, e, em resposta, pirulito finalmente correspondeu com um novo e prolongado relincho. Conhecera a voz do dono. O bicho estava lá pastando na maior tranquilidade! E olha que o local era de quase seis léguas de casa! Chamou-o novamente e aí não deu nenhum trabalho para botar-lhe o cabresto. Montou no danado fugitivo e... pra casa!... chegamos aqui de noitinha.”
--- E como esse cavalo foi parar tão longe? Indaguei-o admirado.
--- Não sei.... cheguei a pensar que estivesse seguindo alguma égua no cio ao deparar-me com uma por lá...caso contrário, se alguém o levou, arrependeu-se e o abandonou, para minha sorte!
--- Encontrou algum conhecido pelo caminho?
--- Até que encontrei. O problema é que não podia falar, né!... Aliás, alguns até me cumprimentaram e não pude responder. Agora tenho de procurar um por um e explicar.
--- Temos também de procurar seo Chico e agradecê-lo.
Alcides não cabia de contentamento. Comprou inclusive uma boa pinga de engenho fabricada em Campo Formoso e levou-a, agradecido, pro homem.
Seo Chico Piorra merecia, não?