Eterna guerra
Frente a frente o bem e o mal, representados tal qual o I-Ching. Éramos combatentes, dispostos a morrer por nosso reino, se fosse preciso. Acreditávamos no caráter de nosso rei e nos ideais de igualdade e justiça que nos haviam sido inspirados. À nossa frente, o inimigo. Observávamos seus passos ruidosos como quem observa a própria imagem num espelho. Porém, uma imagem distorcida. A sombra negra do outro era contrária a tudo que julgávamos correto. Eram inimigos da justiça, da honra e da igualdade. Nosso inimigo era sorrateiro e desprovido de virtudes. Sua existência era uma afronta à soberania de nosso rei e à angelical figura de nossa rainha. Valia à pena morrer por nosso glorioso rei. Valia a pena morrer por nossa divina rainha. Assim, avançamos com cautela. De forma estratégica, partimos para cima do inimigo. Porém, nossas defesas vacilaram. O mal não possui limites e sua sombra não pode ser subestimada. Com seus cavalos negros, avançaram ceifando alguns dos nossos, conquistando precioso espaço para que os seus sacerdotes malevólos lançassem mão de suas artimanhas, invadindo nosso reino com sua lábia tenebrosa. Assim, outros de nós, ao ouvirem tais palavras enfeitiçadas (e plenas de mentiras), e que diziam coisas agradáveis e nocivas, também foram dizimados, derrotados por suas fraquezas.
À esta altura, lutávamos poucos de nós. Somente um cavaleiro ainda resistia bravamente. Nosso reino estava em chamas, nossas torres abaladas, assim como a própria fé dos nossos religiosos, diante do fim. Assim, nós, os remanescentes, pudemos perceber que o reino de cá, não era diferente do reino de lá. Que a sujeira também se escondia sob a tinta branca de nossas casas e que os ideais de justiça e igualdade proferidos por nosso rei era apenas uma ilusão, com a qual ele regava nossos sonhos e que garantia a realidade de privilégios. À esta altura, o covarde já se escondera, buscando preservar sua coroa. Não valia a pena lutar por ele. Era indigno morrer por um rei humano ou crer nas mentiras dos bispos, de vestes alvas e corações trevosos. Mas ainda havia a rainha. Exposta, abandonada por seu companheiro infiel, beberrão e luxurioso. Como era frágil o nosso reino que, em chamas, mostrava toda a sujeira que nunca havia sido vista. Nossa rainha chorava, mas corajosa, lançava-se à morte. Não valia a pena lutar por nosso rei, nem pelo frágil reino corrupto que ele erguera. Mas valia a pena lutar pela rainha e, principalmente, pela fé que pulsava em meu coração e que me fazia acreditar num Deus, diferente daquele descrito pelos religiosos de minha terra. Assim, de forma audaciosa e, até atrevida, coube a mim aproveitar-me de um momento de glória do inimigo para chegar próximo do imperador negro e cravar-lhe minha espada. Xeque-Mate.