Seca

Estava irrequieto, mexia-se desconfortavelmente na imensa poltrona amolfadada da sala, nenhuma posição era boa o suficiente. Impaciente levantou-se, caminhou avidamente pela sala deixando as impressões de seus passos. O som dos pés descalços contra o chão frio, o mover dos ponteiros dos segundos no relógio de parede, tudo o incomodava naquela noite quente. Ia e voltava, olhava pela janela uma, duas, dez vezes. Jogou a camisa no chão, de qualquer jeito, o suor escorria pela suas costas magras. Ofegava em uma ansiedade louca, cheia de desejo.

Três da madrugada e nenhum lugar aonde ir, nem um simples boteco aberto. “Maldito bairro de periferia” – pensou em sua agonia. Uma sede feroz tomava conta de seu corpo, apossava-se de sua consciência. Acendeu um cigarro tragando o desejo de umedecer a boca, fumou três seguidos para tentar esquecer, queimou a mão no último. “Ideia idiota”. Foi à cozinha xingando todos os caralhos da boca do mundo. Lavou o dedo ardido.

Tomou copos e copos d’água, café, suco, leite, nada aliviava sua sede. Escorreu pela porta da geladeira até sentir o chão sob as nádegas. A cabeça entre as mãos, o suor escorrendo pelos dedos, cabelos, face, quase uma crise, um surto. “Como dizem naqueles livros de auto-ajuda? Está em minha cabeça, basta uma dose de otimismo e força de vontade” – parou por um instante iluminado por uma ideia fantástica – “Uma dose! Uma dose! Uma dose!” – repetia para si mesmo com os olhos brilhando, concentrando-se.

Fechou os olhos, imaginava com força pelo que ansiava. A imagem indistinta, imersa em sombras aos poucos ganhava cor, forma, vinha crescendo, se aproximando. O brilho da luz no vidro frio da garrafa, o rótulo com letras caprichadas, a mão imaginária destampando, virando diretamente em sua boca o líquido maravilhoso. Podia sentir na língua, escorrendo pela garganta, o sabor forte e amargo da bebida, a sede ia amansando, domesticava-se. O cheiro invadiu seu peito, encheu seu estômago. Saciava-se. Ébriou-se.