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O casal muda-se para uma casa no subúrbio da cidade. É uma casa comum de 4 cômodos o suficiente para ele e a esposa. André é jornalista e tem um emprego em um jornal alternativo, mas ganha pouco. Nair está fazendo faculdade de medicina e nas horas vagas ajuda fazendo flores artesanais que negocia em uma cooperativa do bairro. O casal decidiu não ter filhos até que Nair termine seus estudos. Ele luta na justiça para impedir a demolição de uma antiga igreja para construção de um condomínio de luxo. Seus antepassados haviam doado o terreno e boa parte do material para a construção. André não acredita muito que possa ganhar a ação contra um grupo poderoso.
Dias depois tentando concertar um vazamento d água no pátio, encontra um pequeno pote meio enterrado na grama. Uma peça trabalhada em madeira com aparência muito antiga. Curioso, abre a tampa e uma fumaça esverdeada se desprende exalando um cheiro esquisito. Ele reclama do cheiro e joga o objeto fora. Ao cair a tampa se abre e despeja um pó esverdeado e uma chave esquisita com 3 pontas que salta de dentro do objeto. Ele examina a chave, fazendo cara feia com o cheiro do pó. Guarda a chave e comenta com a esposa.
– Chave esquisita! Nunca vi uma coisa assim. – Parece bem antiga. Comenta Nair. – Guarde isto deve ser uma antiguidade.
Dias depois o casal dorme, depois de um dia estafante. Faz calor e o ventilador nem consegue dar conta do abafamento. André trabalhou até tarde em um novo artigo para o jornal e deitou-se cansado o suficiente para ferrar no sono. Em determinado momento o celular toca. Ele atende e uma voz grave ordena.
– Ligue a televisão.
Ele pergunta.
– Quem fala! O telefone desliga.
Ele olha o relógio. São 0,10 h da madrugada. Levanta vai até a sala e liga o aparelho.
Está no ar um programa de notícias. A voz do âncora anuncia. “ Neste momento nossa equipe dirige-se para o local onde um grave acidente com um ônibus mata 17 pessoas”. “ Não se sabe ainda as causas e pode haver mais vítimas sob as ferragens.” Entra um repórter de campo. Mostrando o ônibus capotado e a polícia e bombeiros correndo pra todo lado. O canal logo sai do ardeixando apenas aquele chuvisqueiro típico. Ele desliga a tv e consulta no visor do celular. Ligação recebida. Fone: 00.00.00.00. Volta para a cama, coloca o celular sobre o criado mudo. A esposa acorda. Quer saber o que houve. Ele conta pra ela que fica com ar de dúvida.
– Espere, você já viu que horas são? Esta hora não há noticiário. Só filmes!
– Você tem razão, mas eu vi. A chamada está aqui no celular veja! Ela olha!
– Aqui não há nada, o último registro é da ligação que fiz pra você hoje à tarde. Vamos dormir. Você deve ter sonhado. Eu estava tão cansada que nem vi você levantar.
Dia seguinte os dois estão em uma lanchonete para um almoço já quase 1:00 h da tarde. Uma tv ligada acima do balcão apresenta o noticiário ainda do meio-dia quando o âncora começa a ler uma notícia de última hora. O texto é exatamente igual ao que ele havia visto na madrugada. Os dois se olham com os olhos arregalados.
– Você está vendo? Pergunta ela.
– Sim! Meu deus eu vi o acidente. Será que foi um sonho? Uma visão? Não sei.
– Acho que foi uma premonição.
– Mas eu nunca tive isso! Depois tem a história do celular. Juro que uma voz me mandou ligar a tv.
Dias depois os dois chegam quase ao mesmo tempo. Já são 21:00 hs e estão bastante cansados.Tomam um banho e nem lembram mais o episódio. Comem um lanche rápido e vão dormir. 0:10 Toca o celular novamente. Ele atende! Novamente o número é apenas 00.00.00.00. A mesma voz fala.
– Ligue a tv.
Ele obedece e de novo pergunta quem é? O telefone como da vez anterior desliga. Ele liga a tv e desta vez como se estivesse correndo com uma câmera de vídeo, vê um pequeno avião Cesna batendo contra o solo, girando sobre si mesmo e pegando fogo. Ele tenta chegar ao avião, mas o calor é muito forte. Como havia ocorrido a imagem se desfaz e a estação sai novamente do ar. Ele volta para a cama. Sente a mão da esposa sobre seu ombro.
– Acorde você está tendo um pesadelo. O que está pegando fogo?
Ele olha assustado para ela. Não sabe ainda se o que viu foi real ou um sonho muito estranho.
– Começou de novo! O celular. O avião caindo. Conta para a esposa os detalhes da nova visão.
– Será que dá para impedir? Eu vi novamente! Vai acontecer! Preciso ir lá. É no Salgado Filho eu reconheci o lugar. É isto! Vou por o relógio pra despertar as 6:00. Na visão, era de dia.
A esposa concorda e assim, 6:00 da manha ele toma o carro e vai para o aeroporto. Um acidente o atrasa porque a pista ficou interditada por mais de uma hora. Há um grande engarrafamento. Ele fica nervoso. Finalmente chega até o setor de aviões leves e corre para falar com um funcionário. Um avião Cesna prepara-se para decolar ao longe. Ele está preocupado. Espera o funcionário atender o telefone. Quando finalmente consegue ser atendido, fala quase sem tomar fôlego.
– Pare aquele Cesna por favor! Ele grita. – Aquele avião vai cair.
O avião já esta decolando e o funcionário olha incrédulo para André, mas tenta contato pelo rádio.
– O Rádio está com problema informa o funcionário. Os dois correm para a rua no momento em que o Cesna começa voltar. Claramente ouve-se o barulho do motor falhando. Eles correm ao encontro do pequeno avião. Então ele vê horrorizado a cena se desenrolar tal como no sonho. Houve as sirenes dos bombeiros e equipes de socorro. Ele fica desolado. Senta-se ao chão com a cabeça entre as mãos.
– Não fui capaz de impedir! Repete. – Eu tentei! Droga! O que está acontecendo comigo? Porque eu? Porque tenho que prever e depois não posso fazer nada? Afinal será assim? Não podemos mudar uma visão?
Nos dias que se seguiram ele não consegue dormir. Acorda com sobre-saltos. Tem pesadelos em que as visões o atormentam.
Dias depois na mesma hora de sempre a voz no celular novamente.
– Está na hora!
Ele nem pergunta nada corre para a tv. Então vê a cena como se estivesse chegando a estação do metrô. Há uma correria. Ele desse as escadas dois trens da Trensurb estão por se cruzarem e um deles descarrila . Chocam-se na entrada da estação. Ele corre tentando fazer algo. Funcionários correm para o local. Há gente morta e feridos por todo o lado. Ele então reconhece entre os mortos, seu colega da redação. O colega está morto na cena, ele precisa fazer algo. Acorda suando frio. Narra à esposa o novo sonho enquanto apressadamente veste-se procurando as chaves do carro.
– O que vai fazer? Pergunta ela.
– Preciso ir agora! Desta vez tem que funcionar. Preciso evitar, nem que tenha que parar todos os trens. Não sei se é de dia ou noite. Lá em baixo é tudo igual. Ele mal entra no carro e acelera com tudo. Vai direto para a estação Farrapos, a mais perto. No caminho liga para uma emissora de rádio.
– Me ajudem façam alguma coisa por favor!
– Meu amigo o senhor está pedindo para que paremos os trens, porque teve um sonho? Está bem! Vu entrar em contato com os responsáveis e ver o que pode ser feito. Ouve a voz de alguém perguntado o que é?
– Um maluco quer para os trens porque teve um sonho.
Ele chega à estação. Estaciona como pode. Corre para o guichê mais próximo então houve o barulho de trens e o baque ensurdecedor de dois trens se chocando. Mais uma vez chega atrasado. Tudo igual. Reconhece o colega morto e fica mais arrasado. Não consegue entender o que está acontecendo.
– Não adianta! Não dá pra fazer nada. É inútil, sempre chego tarde. Nos dias seguintes ele se culpa pela impotência, quase não come. Barba por fazer. A esposa tenta reanimá-lo. Sem resultado.
– Puxa! Você não tem culpa, precisamos procurar ajuda, um psicólogo, um especialista, sei lá. Promete que vai fazer isso? Vou falar com a Sandra, ela conhece muitos médicos desta área.
Naquele dia ele não foi trabalhar. Ligaram da redação dando a boa notícia. O embargo à implosão da igreja estava na mão do juiz. Ele certamente daria ganho de causa e a implosão seria evitada. Não havia mais instâncias à recorrer. Recebeu a notícia e desligou o telefone. Ao colocá-lo no gancho, a estranha chave que guardara, estava sobre a mesa. Ele tinha certeza de tê-la colocado na gaveta. Pela primeira vez ele desconfiou de algo.
– Será que esta chave? Tem a ver? Foi depois disso que começaram os sonhos. É uma chave antiga. Não pode ser. Estou vendo coisas. Colocou a chave no chaveiro do carro.
Dias depois recebeu a notícia de que a implosão havia sido embargada pelo Juiz. Estava duplamente feliz, porque já fazia uma semana que não tinha mais o tal pesadelo.
Lembrou de procurar no museu municipal alguém que pudesse dar-lhe uma explicação para a tal chave.
– É uma chave muito antiga. Note que está bastante desgastada. Olhe! A igreja na antiguidade mandou fazer chaves deste tipo para guardar peças ou pergaminhos importantes. Nunca havia visto uma destas. Guarde-a bem! É uma pequena relíquia.
Mas naquela noite, repetiu-se a visão. Só que desta vez via sua própria morte ao entrar em um banco durante um assalto. Um dos assaltantes lhe aponta uma arma e atira. Ele sente tudo escurecer, mas ainda vê o assaltante ser baleado pela polícia que entra no local. Acorda suando frio novamente e decide desta vez não falar nada à esposa. Ela dorme tranquilamente e ele fica horas pensando. Fuma vários cigarros. Agora é a sua vez. E se ele não fosse ao banco? È isso! Precisava sacar algum dinheiro, mas decidiu fazê-lo em uma agencia lotérica.
Saiu na manhã seguinte para o trabalho e resolveu passar antes na lotérica do bairro. Àquela hora deveria ter pouco movimento. Sacou o dinheiro e quando se dirigia à porta de saída. Aconteceu. O assaltante entrou atirando e ele foi baleado exatamente como havia visto no sonho. Viu ainda o assaltante ser baleado pela polícia. Como na visão.
Acordou no hospital com o peito enfaixado. Uma enfermeira media o seu pulso e sua esposa estava sentada em uma cadeira ao lado.
– Puxa! Eu escapei? Perguntou. A enfermeira retrucou.
– O senhor escapou, mas foi por pouco. Foi preciso uma cirurgia muito delicada para extrair a bala.
Virou-se para a esposa.
– Veja! Eu enganei a morte. Isto prova que é possível sim. É só uma questão de sorte.
Passaram-se mais uns dias e a vida transcorria normalmente. Ele pensava sobre tudo o que havia acontecido e imaginava um meio de precaver-se. Ouvira falar de um inglês que sonhava com os acontecimentos que se confirmavam e dormia com um bloco de anotações à mão para anotar e ligar para a polícia informando sobre o sonho.
Estava ainda recuperando-se do tiro que levara. Quando voltou a ter outra visão desta vez, a voz informou.
– Está na hora! Esta é a última.
Então ele viu na tela da tv. Dois homens, colocando alguma coisa sob um compartimento do altar e depois saindo sorrateiramente da velha igreja. Ligou para a polícia, mas desta vez foi incisivo.
– Colocaram uma bomba no altar da igreja.
O policial informou que iriam averiguar. Sua esposa acordou e ele se preparava para sair.
– Onde você vai?
Ele então contou para a esposa sobre o novo sonho. Desta vez ele não viu a explosão. Somente os homens saindo da igreja.
– Vou fazer plantão lá até o dia amanhecer. Vai acontecer à noite. Ou Hoje ainda ou amanhã. Despediu-se da esposa e rumou para a igreja. Chegando lá, a policia já estava no local e havia localizado a bomba onde ele disse que estaria. Depois que eles a desarmaram ele foi conversar com o sacerdote que teve que vir abrir a porta para a polícia. A igreja estava em péssimo estado e o pároco esperava a decisão da justiça para iniciar os reparos. A portinhola sob o altar do compartimento haviam colocado a bomba estava entreaberta e ele curioso quis saber o que havia lá dentro.
– Um pequeno baú de madeira com alguma relíquia da igreja. Comentou o sacerdote.
– Mas, não temos a chave e não sabemos o que há lá dentro. Então ele lembrou a chave. Olhou a fechadura e para seu espanto tinha os três orifícios. Outro detalhe lhe chamou a atenção. Os entalhes na madeira da tampa do baú tinham um desenho estranho. 0-0-0-0-0-0-0-0. Lembravam os oito zeros de uma chamada telefônica cujo número foi mantido em sigilo. Pediu licença ao padre e abriu o baú com facilidade. Havia apenas um cálice bem antigo de madeira trabalhada. Uma peça rara.
– Nossa Senhora! É o Santo Grahal, ou apenas mais uma réplica. Comentou o sacerdote.
– Existem muitas delas espalhadas pelo mudo. Só o Santo Papa sabe onde está o verdadeiro. É a relíquia mais importante da igreja. Como conseguiu esta chave? Perguntou o sacerdote. Então ele contou ao padre tudo o que havia acontecido e como encontrara a chave.
– Padre! Mas porque eu fui submetido a todos estes acontecimentos que acabo de lhe narrar?
– Meu filho os desígnios de Deus são às vezes difíceis de serem compreendidos. Talvez ele quisesse antes, testar a sua coragem e a bravura com que você enfrentou a situação nunca desistindo de tentar impedir os acontecimentos.
Desta vez ele olhou no celular e estava lá. 00-00-00-00.
fim