Mudança Legal - A Viagem

A Viagem

Aos poucos o carro da mudança ia deixando o bairro. Atrás ficava uma verdade que até aquele momento eu vivi.

Ao passar pela rua da praça lembrei-me da minha infância aonde mamãe ia sempre com papai à tardinha quando ele voltava do trabalho e antes do jantar nos levavam e enquanto brincávamos eles sentados no banco conversavam passando a limpo o dia e depois retornávamos para tomarmos banho, jantar e dormir. Assim foi a nossa infância naquele bairro.

Éramos três filhos: Naquela época já era difícil encontrar uma casa dentro das condições financeiras de meu pai por isso íamos à praça correr, porque era impraticável fazer dentro de um apartamento.

Às vezes, perguntava ao papai se ele não ficava cansado, porque logo que chegava do trabalho jamais hesitava em nos fazer felizes e ele com carinho respondia que deveríamos aproveitar enquanto ele estava podendo e nós estávamos crescendo.

Tudo aquilo passava pela minha cabeça bem rápido como rápido passava a paisagem nos distanciando daquele lugar de muitas recordações.

Eles morreram jovens ainda e nos deixaram no final da adolescência. Ele com 55 anos e ela com 50, logo cinco anos após o falecimento dele. Acho que combinaram até nisso para que pudéssemos enfrentar a vida e isso nos fez crescer, sabendo enfrentar a vida tal qual é.

Comento sempre com Clarinha sobre os nossos meninos que estão sempre juntos o que faz me lembrar de meus pais com muito mais propriedade.

Na medida que íamos nos distanciando pela orla o ventinho batia muito forte em meu rosto o que me parecia estar apanhando do vento porque estava deixando aquele lugar.

Os postes passavam como as pessoas hirtas, insensíveis, apenas passavam, marcando um lugar, como muitos postes sem luz. Apenas postes!

Aos poucos fomos entrando na avenida principal do Estado e a distância cada vez mais se fazia entre mim e o mundo que deixara para trás. Naquele momento as crianças riam e conversavam sobre a expectativa do lugar.

Em nós uma sensação de vazio, algo que não sabíamos explicar o porquê daquela aventura. Andamos muito até que começamos a nos aproximar de uma região com certo relevo destacado, onde já se podia avistar ao longe algumas pequenas propriedades agrícolas, coisa nova apesar de já termos passado por ali várias vezes, quando em viagem pelo Estado ou para fora Dele. Naquele momento era diferente e muito especial, pois não estávamos indo a passeio, mas de mudança e séria desta vez.

De repente entramos numa via sem calçamento, pois já havíamos deixado o curso da estrada principal. Era até certo ponto uma estrada bem tratada apesar de não ser pavimentada. Sua vicinalidade era respeitada pelos moradores do lugar, pois ali estava a sobrevivência de cada elemento da cidade.

Ao entrarmos mais propriamente naquela pequena cidade fomos reparando que as pessoas andavam mais vagarosamente, marcando o passo, esquerdo, direito, direito, esquerdo. Faziam isso como se acompanhassem inconscientemente o batimento do coração num pulsar tranqüilo e harmônico.

Aos poucos fomos chegando e o ar era outro, não mais a brisa do mar, mas a montanha em sua imponência, circundava toda a cidade como se a protegesse, cercando-a com braços enormes e mãos protetoras.