Mudança Legal - A Mudança II

As perdas que estava tendo ali naquela ocasião era muito difícil para mim,pois ainda não havia aprendido o que era perda. Embora tentando modificar as coisas não conseguia, sofrendo muito com a subtração de tudo que o consumo havia me proporcionado, mas que ao mesmo tempo estava me tirando. O pior é que tirava de outras pessoas que amava tanto.

Aí estava a minha condenação, quando me via lutando contra esse estado de coisas. Afinal eu havia mesmo causado. Talvez fosse melhor ter aceitado o jogo, seria muito mais fácil acatar a ordem da massa, pois tudo se resume numa simples troca ...

As pressões externas eram tão fortes,tão fortes que já não estava agüentando afastar de mim o cálice sujo de lama.

Eu e Clara continuávamos a encher o baú e a caixa de papelão. Ela olhava sempre para mim como se entendesse tudo que se passava comigo. Nada dizia em voz alta, apenas me olhava e aí eu me via nu, totalmente despido. Clara conhecia todas as minhas reações e sabia da minha dor, o que também não deixava de ocorrer com ela.

Como fazer e o que fazer? Essas eram sempre as perguntas sufocadas. Sabíamos que estávamos e naquela enorme caixa, íamos colocando a cada minuto mais uma peça.

A coisa complicava-se quando os meninos perguntavam se iriam continua as aulas de piano. Por falar em piano precisávamos embalar o nosso. Como levaríamos o piano? E continuava no ar ... A resposta vinha seca e engasgada, porque já haviamos guardado essa peça na caixa e ela ficaria também com as outras. Não por ser algo inútil, mas por faltar condições sobre todos os aspectos. Mesmo assim era obrigado a uma resposta por pior que fosse: _ Não sei meninos papai ainda não arranjou um emprego e não poderá dizer se tudo ficará como antes. Precisamos ter esperança.

Ainda seremos habitantes num planeta não de sonhos, mas que ajudamos a construir.

Era interessante! Por que dizer aquilo para as crianças? Por quê? Q,uando sentia dentro de mim dúvida enorme, mas sentia também uma força estranha que não sabia explicar me impulsionando. Precisava acreditar naquilo que falava para os meninos.

Esta força imensurável não me deixava parar de ajudar o pessoal na mudança. Era um trabalho árduo, pois tínhamos que arrastar muitas coisas, desmontá-las e colocá-las nas caixas que ficariam. Precisávamos fazer tudo com eficiência e rapidez, pois o mundo de consumo não espera. Cada minuto que passava aumentava meu débito com a transportadora. Era tão difícil o trabalho que tínhamos de levar na brincadeira, pois a nossa imperfeição em tudo dificultava em muito na mudança. Éramos grandes demais e não cabíamos nos recipientes. Cada peça um olhar e cada olhar uma esperança. Enfim, chegamos ao término da arrumação e nos preparamos para deixar o prédio em que morávamos. Engraçado que todos nós sabemos que nas mudanças, além de ficar um vazio, sentimos sempre o desejo de remexer as coisas, por ainda faltar algo.