Despedida

Ela se foi... E me deixou “engaiolado”.

Com ela eu podia cantar. Podia ser feliz, podia ainda ser eu mesmo e sentir o toque da liberdade em minhas mãos no momento em que me dirigia ao seu encontro.

Mas ela estava muito pensante ultimamente, já não o agüentava mais, ele sempre tão frio em suas palavras, tão distante e severo. Juro que não a merecia. Nunca fez nada para merecer, nem mesmo um sorriso para ter sua atenção.

Neste momento me sinto um canário, um pobre pássaro a mercê da sorte sentindo saudade das manhãs que ela fazia pausas e refletia sobre meu canto, como se interpretasse minhas palavras, talvez ela se identificasse com esta triste realidade de ave enclausurada.

Ela não era livre para agir, para sonhar, muito menos para viver. O que fiz foi muito pouco perto do que ela merecia, apenas abri seus olhos para a beleza do mundo que está a sua volta.

E quando tomou sua decisão, pensei que ia deixá-lo e vir ao meu encontro, mas não foi bem assim que aconteceu.

Ela “deixou-nos”, nem um nem outro, os dois ficaram iguais uma criança quando perde seu doce, cada qual em sua extremidade sem saber o que fazer.

Ele de início nem sentiu sua ausência, continuava agindo naturalmente, chegando tarde em casa, saindo com outras mulheres, bebendo sem limites, cada dia mais embrenhado na cachaça.

Mas agora, em um olhar mais profundo, percebo que ele sente sua falta, não como um homem que a amou, mas como o senhor que perdeu sua escrava, aquela que organizava sua vida, deixava suas coisas em ordem, a que lavava suas roupas e as deixavam passadas no guarda-roupa, aquela que fazia todas suas vontades e que não media esforços para lhe proporcionar prazer.

Enquanto eu sentia aquele gosto de limão azedo na garganta, pois depositei toda minha esperança em sua partida. E eu, como fico? Aqui sozinho, sem eira nem beira? Assim mesmo, ao relento de seus carinhos...

Hoje ela já não está entre nós, foi à procura de sua felicidade, quem sabe foi em busca do motorista que ele contratou semana passada, apenas por ser alto, de olhos azuis e com cabelos loiros, de voz macia e fluência nas palavras, talvez sim. Espero que sim, porque se foi em busca da felicidade com sua melhor amiga, a qual é lésbica e assumida publicamente desde o tempo da faculdade, me sentirei horrorizado em perdê-la para outra mulher.

Mas quem poderá saber a verdade. Você? Eu? Ninguém sabe qual foi sua real decisão, porque na mesma tarde, encontraram-na morta, após ser atropelada por um caminhão que estava carregado de adubo, a caminho da fazenda vizinha.

Agora, o que iremos fazer sem sua presença... Apenas relembrar os bons momentos que passamos juntos e blasfemar sobre suas possíveis decisões.