'' O ENCONTRO...com dia e hora certa ""

Foram nove meses de uma gravidez arriscada. Era o primeiro filho da negra Sebastiana, a Bastiana ou melhor Bastianinha, que ela nao era muito grande nao, era miuda, pequenininha, mas depois que Leoncio nasceu parecia que a mulher renascia, cada filho que vinha ela mais forte ficava...teve onze. Deis meninos e quando estava desistindo nasceu Aninha. Fechou a fabrica de fazer nenens.Criou todos e viveu para ver bisnetos e ate' um tataraneto.Negra Forte , a negra Sebastiana, a Bastiana apelidada tambem de Bastianinha.Morreu nos seus noventa e tantos...ninguem nunca soube se nao era noventa e nove. Se nao era, pouco faltava.Dizem, dizem alguns, que era noventa e sete.Tinha vinte quando Leoncio nasceu.

E um dia voltando da beira do rio , onde tinha ido como sempre lavar a roupa, dela, da familia dela e de mais um montao de familia que ela lavava e passava, viu de longe a caravana dos ciganos chegando de novo 'a cidade...ela saiu da estrada, colocou a trouxa da cabeca e a outra que trazia no braco no chao, segurou a mao de Leoncio, agora com dois anos e a outra mao em cima da barriga, grande, que la' vinha vindo mais um, e a caravana passando e quando acabou de passar, uma cigana, velha, sorriu para ela e veio na sua direcao...buena dicha...deixa me ler sua mao, me de um trocado, leio agora...e a negra Sebastiana, a Bastiana, apelidade tambem de Bastianinha...se agarrou mais ainda a Leoncio, deu um passo 'atraz :-

Tenho trocado nao senhora

Me de seu lenco da cabeca e leio assim mesmo

A negra Bastianinha, tambem apelidade de Bastiana, mas de nome de registro Sebastiana, com medo, levou a mao 'a cabeca e deu um passo em direcao 'a estrada e tentou seguir...parou, pensou um pouco, tirou o lenco e entregou 'a cigana, velha.

A cigana, velha, chegou mais perto, a caravana seguindo, e ela pegou na mao da negra Bastianinha...e passou os dedos finos e encardidos, uma unha suja e grande...e falando:-

A buena dicha nao e' para voce...seus olhos me pedem que eu leia do '' pequeno gafanhoto'' que voce tem na mao, nao e'? Bastianinha entendeu e fez que sim com a cabeca, e a cigana, velha, quase encarquilhada tocou na cabeca de Leoncio :-

Cuidado com os setes duplos, com os sete e sete..vai vier muito, vai viajar pelo mundo, vai te dar muita alegria, vai ser muito alegre e dar alegria pra muitos...musica, muita musica, muitas festas e muitas alegrias...mas o dia dele vai ser no sete...sete duplo...e na hora da partida muito adeus, muita genta falando adeus, muita danca, muito papel...muitos gritos...e a partida dele sera' serena, quieta.......e a cigana, velha, encarquilhada estremeceu, deu um pulo e correu...a caravana ja' estava longe, correndo alcancou, pegou rabeira no ultimo carro, acenava...dava adeus, com um lenco branco, o da cabeca da Bastiana,..foi sumindo, sumindo,,,sumiu na curva la' em baixo...Sebastiana nao mais viu, seguiu.

E Sebastiana desde este dia ficava imaginando, pensando, matutando, nao contou pra ninguem, nem para o marido contou do encontro que teve na estrada com o povo alegre, colorido que passava

uma vez por ano por ali, trazendo alegria, levando tristezas embora e diziam que levavam ''gente grande que gostasse de seguir com eles'' mas que levavam criancas tambem, mas engracado!!! da vila, da pequena cidade nunca nenhuma levaram, e ela tentando adivinhar:- seria no sete? que Leoncio iria...nao nao seria, era para tomar cuidado com os sete duplos...quatorze entao? quem saberia? era esperar para ver..

E os sete anos passou e virou, virou, e virou quatorze que tambem passou e nestes anos todos Leoncio desde os sete aprendeu a tocar, saxofone, cavaquinho, bandolim, violao, viola, tudo de ouvido, nao sabia ler musica e nem usava partituras, ouviu uma vez e pronto,tocava e compunha tambem...e cantava...tinha uma voz que com o tempo so' ia melhorando, e foi se tornando um musico e cantor famoso, e os vinte e um passou e assim foram passando todos os multiplos de sete..e Leoncio percorrendo o mundo, montou uma banda, famosa e tocava e o povo dancava ao som da banda ...

Era rico agora, comprou uma casa melhor para a negra Bastianinha Bastiana Sebastiana e nada faltava 'a ela e sua familia, eram negros do respeito, sempre foram e agora que ela era viuva, quem era a matriarca era ela e ai daquele que mesmo casado, ou no caso da Aninha, casada, que ousase dela desobedecer...o pau comia, filho meu sera' sempre filho meu, eu eduquei e quem manda sou eu...e quero que o mundo saiba a diferenca que tem ser filho meu...e Leoncio era, e os outros tambem.

E os setenta para Leoncio chegou e por ele ele tambem passou e agora ficou na espera do setenta e sete...Sebastiana Bastiana Bastianinha...agora sabia, seria este o dia e a hora...era agora, era um sete e sete...e a cigana tinha dito...sete e sete.

E o dia 31 de dezembro chegou e no clube tudo pronto para o reveilon...lotacao esgotada, a banda ocupada e Leoncio passando mal nos bastidores, toma isto...toma aquilo,, deita um pouco maestro, Leoncio levantou...ja' eram 11:30, a banda tocava sem ele, e ele entrou, aplausos e o baile, meio xoxo se esquentou...e a contagem comecou...10...9..8...7...6...5...4..3..2..1...e a banda atacou com a "" Valsa do Adeus""...adeus amor eu vou partir...adeus ano velho...feliz ano novo....e a meia noite bateu e Leoncio foi se afastando, sentando ao lado da cortina do palco, ninguem o via...e a musica e o povo cantando...adeus...adeus...e o braco esquerdo foi o primeiro a sentir a dor aguda, caiu ao lado do corpo sem vida agora de Leoncio,,e papeis picados, serpentinas, confetes...muito, muito papel picado caindo ..caindo e a alma da Leoncio subindo, subindo...e na confusao do beija beija..feliz ano novo, ficou ali, quietinho, paradinho

do jeito certinho que a cigana previu e Sebastiana Bastiana Bastianinha soube na hora, mesmo estando tao longe um do outro, um arrepio percorreu seu corpo e sua alma deu a mao para Leoncio...ele a levou com ele, foram juntos, e nem precisaram bater, o porteiro-chaveiro viu de longe eles chegando...e o Homem de branco la' em cima na escada do palacio iluminado pelas luz das estrelas, de bracos estendidos os recebendo...

E Sebastiana Bastiana Bastianinha sorrindo, tinha cumprido sua missao na terra, e.... engracado!!! sempre gostou da festa de ano novo, ainda mais quando Leoncio, seu primeiro filho nasceu, nasceu um minuto passado da meia noite...era ano novo, o povo festejando e ela gemendo e urrando...lembrava agora e sorria....que a coisa que a negra Sebastiana Bastiana Bastianinha mais fazia na vida era sorrir...viveu sorrindo.

Morreu sorrindo. Continua sorrindo.Quem e' puro de alma, de coracao, nao tem maldade dentro de si...sorri.

Nao ve as criancas?

A quem pertence o reino do ceu?

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WILLIAM ROBERTO CUNHA
Enviado por WILLIAM ROBERTO CUNHA em 25/05/2010
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