MINHA BOVARY

São cinco e meia da tarde. O sol poente, que parecia mergulhar no oceano, deixava o céu com a cor azul mais clara e as nuvens com tom rosado. Era, sim, uma tarde magnífica; uma tarde que fazia os problemas desvanecerem-se como a fumaça do cigarro que Leon segurava com seus lábios desleixados.

Voltava para casa após várias consultas com seus pacientes.

Com a gola e a gravata frouxas, sua imagem dava ideia de como anos de trabalho ininterruptos deixavam marcas em um homem.

Seu carro novo percorria avenidas sombrias iluminadas por lâmpadas de sódio. As pessoas robóticas andavam pelas calçadas. Alimentavam o vírus capitalista.

Estacionou o carro na vaga livre da garagem. Permaneceu poucos minutos olhando estático para a faixada de sua casa.

Luzes apagadas.

Tranquilamente ele atravessou o hall da sala e metodicamente subiu as escadas.

- Emma?

No primeiro andar acarpetado ele fixou o olhar na porta entreaberta de seu quarto. Cama arrumada, janelas e cortinas cerradas; sonido de pingos d'água.

Entrou no banheiro límpido. O som vinha da banheira com cortinas estampadas cerradas.

Sua mão trêmula afastou-a. A imagem imaculada de sua esposa refletida sobre sua íris. O corpo de uma beleza singular, de um tom de pele claro. Igualava-se a uma pintura de Goya. O tom de vermelho-ocre contrastava-se com sua pele de um branco infinito.

Sua nudez incrível, porém morta; ainda o encantava.

- Minha Bovary.

Como a personagem do romance francês de Gustave Flaubert, sua esposa cometera suicídio. Sua vida escorrera pelos profundos cortes nos pulsos.

- Covarde!

Sua raiva não durou segundos. O maldito sentimento de amar cobria-o como uma mortalha. Tirou uma mecha de cabelo ruivo molhado da pálida testa de uma suicida.

Com carinho, retirou-a do caixão de porcelana e deitou-a na cama.

- Não cuidei dela.

Com movimentos lânguidos, retirou sua roupa. Nu, ele se olhou no espelho. Estava velho e indeciso. Um morto-vivo.

Fora de seu devaneio, deitou-se ao lado da esposa. Sussurou em seu ouvido surdo juras de amor. Promessas. Vidas unidas.

Com uma excitação descomunal, penetrou-a por trás e ali mesmo fez amor com ela.

Percorreu seu gélido corpo com a mão. Não perdeu nenhum detalhe, nenhuma curva, nenhuma mancha, nenhum pelo de seu corpo.

Foi ao banheiro. Tomou banho na banheira com a mesma água escarlate. Vestiu-se com sua melhor roupa. Acendeu um cigarro e deitou-se ao lado de Emma.

Resolveu não deixar carta para familiares. Pegou o mesmo objeto cortante que sua amada utilizou para partir as veias.

Cortou-se profundamente.

Ele apreciava o momento; a dor.

Quando sentia que seu organismo estava indo ao fim do colapso, beijou-a no rosto e desejou-lhe boa noite.

- Je taime, ma chérie.

Fechou os olhos.

Deo Odecam