'' O JARDIM DA FELICIDADE''

Casei ao 21 . Aos 30 me divorciei. Foram apenas 3 anos de felicidade e nao sei o que aconteceu nos ultimos 4 anos, a coisa foi esfriando, esfriando, mesmo tendo 2 filhos, um filho e uma filha, e quando nao deu mais, de ambas as partes, resolvemos, eu sai' de casa, fui morar sozinho, ela ficou com a casa, um carro, telefones, eu dava uma boa pensao, nada faltava 'as criancas e assim foi melhor!!

Melhor para nos dois, nao para as criancas, sabiamos disto e procuramos ajudas de terapeutas e a coisa funcionou, hoje muitos e muitos anos depois, somos amigos, ela se casou de novo quando os filhos se casaram e sairam de casa, fez bem, Alvaro e' um bom homem, gosta dela , trata bem , sao companheiros...quando tem festas, casamentos, batizados, nos reunimos, sem magoas ou rancor, tudo pelo bem da familia...eu nunca me casei de novo, tive oportunidades, cheguei ate' a ficar '' noivo'', mas nao deu, e quando vi estava so'....e estou ate' hoje, melhor assim, acho, nao tenho certeza, como posso ter, ou como poderia ter?...

Logo quando me divorciei e fui morar sozinho a barra pesou, em todos os sentidos, eu estava acostumado com gritarias, correrrias, falatorios, broncas, tirar dois da minha cama e levar para a caminha deles, senti muito a falta dos filhos e dela tambem, por que negar, afinal foram quase 10 anos juntos e o dinheiro encurtou muito e eu decidi procurar outro emprego em que ganhasse melhor e me coloquei 'a procura...e dizia para todo mundo e todos me ajudando e um dia um amigo me disse que um amigo tinha algo para mim...me deu o numero do telefone do amigo , liguei, marquei e fui...era uma agencia de emprego, necessitavam de alguem com pelo menos um pouco de experiencia em jardinagem, eu nao tinha, mas sempre fui mao santa para plantar, tudo que eu plantava, nascia, viscejava, florescia , e sabia fazer transplantes de plantas, podar, enfim entendia um pouco, mas era como '' amador'', nunca como profissional...assim mesmo e devido minha situacao me mandaram la' para a casa, me deram uma carta e la' fui eu.

Era bem longe do centro da cidade, passava-se um bairro bem populoso, de classe media alta, entrava-se por estradas de terra e foi dificil chegar ate' la, me perdi, voltei, segui o encruzamento certo, demorei mas cheguei...era uma fazenda, bem isolada, a casa bem grande, tinham cavalos por la', criacao de puro sangue arabes, vinhedos, fabricavam vinhos, tinham plantacoes de flores, e logo na saida lateral da casa ficava um jardim, bem grande, todo murado com unhas de gato crescendo no muro todo, cobrindo as pedras, e um portao, fechado 'a chaves, era o unico acesso...a casa era construcao de 1898, e o jardim era original na planta e a familia atual, descendentes dos primeiros moradores conservavam do mesmo jeito, com pequenas mudancas, variacoes...no orignal tinha apenas uma fonte, em algum tempo foram acrescentadas mais duas...ficou lindo, bonito mesmo.

Conversei com dona Janete, bisneta do primeiro dono da casa, gostou de mim, gostei dela e foi me mostrar o jardim e se tudo desse certo, me contrataria me disse, mas ia depender do marido dela, sr.Leonel teria a palavra final, ele era '' doente'' de amor pelo jardim, ela tambem, mas ele!!! me dizia ela, que ele era muito exigente e me daria todas as recomendacoes e treinamento, o ultimo jardineiro que teve por aqui ficou mais de 25 anos tratando do jardim, faleceu e entao solicitaram 'a agencia que contratassem alguem. Eu apareci.

Deu tudo certo. Acertei salario, horarios e sr Leonel me convidou para morar no quarto do antigo jardineiro, fomos ver, ficava no andar de cima da casa, tinha um banheiro no corredor, so' eu usaria , tinha no final do corredor uma pequena cozinha e o quarto era grande, recebia o sol da manha e da pequena janela do banheiro e da cozinha eu podia avistar o jardim...gostei, e fechamos o acordo, Sr.Leonel me deu entao uma carta para que levasse 'a agencia e eles me colocassem na folha de pagamento, eram tambem os contadores da fazenda, e assim fiz.

Me mudei uma manha ensolarada, passaros cantando e sr.Leonel dona Janete se preocupando com minhas acomodacoes, mandando uma das empregadas que limpasse meu quarto, banheiro e cozinha, vieram em duas, deixaram tudo limpo, cheirando gostoso, cama feita e ate' toalhas nos banheiro...me senti mimado e desci para verificar o jardim...sr Leonel me esperava junto com dona Janete, me deu varias chaves, me explicou de onde eram, me mostrou o lugar, o quarto onde se guardavam ferramentas, adubos, mudas, roupas proprias para a jardinagem, tinha um pequeno banheiro por ali para mim e para outros empregados e fomos para o jardim...me pediu para abrir o portao, me atrapalhei um pouco com as chaves mas abri..e quando entrei, fui na frente, ele me mandou entrar primeiro...senti um frescor, um aroma tao gostoso, uma paz, um silencio e eles foram me mostrando tudo...todas as plantas tinham um pequena placa azul, letras na cor branca, dizendo nome, nome cientifico, origem, e sr. Leonel me dizendo que me daria livros que diriam como tratar de cada uma..me deixou por ali e se foi, levando consigo dona Janete, encostou o portao e eu andando, vendo, nao tocando mas cheirando o perfume de algumas rosas, geranios..que gostoso!!! e o barulho de agua em continuo movimento....ouvi um chuaaa chuaaa delicado, suave e vi passaros bebendo nas fontes, outros se banhando , esparramando agua para todos os lados...alguns se banhando na areia, sentei em um banco e fiquei apreciando...nem vi as horas passarem!!

Escutei um sino ao longe, um toque de sino repicando mais forte e me lembrei :- hora da fazenda '' fechar'' para a tarde, deve ser quase seis e era mesmo...fui para meu quarto, fiquei um pouco por ali, liguei meu radio, ouvia a hora da '' ave maria'', parei um pouco, respirei, tirei minha roupa suada, coloquei uma toalha em volta da cintura e fui me banhar, chuveiro bom de mais, agua forte, morna, fazia vapor no banheiro, ""embassando"" o espelho da pia...abri um pouco a pequena janela, o ar mais fresco entrando o vapor se dissipando e eu olhando pela janela e achei que vi um vulto, de branco no jardim...olhei de novo, nada vi...ilusao, pensei...me exuguei, sai...e com fome fui preparar um lanche, olhei a geladeira , lotada...fiz um lanche gostoso e procurei por tomates, achei, cortei uma rodela e fui lavar a faca na pia, a janela aberta e vi...agora tinha certeza, um vulto, todo de branco, de costas para mim, vi que estava sem sapatos, descalca ? mulher? pensei , como sabia...pelos cabelos loiros e longos, quase na cintura e ela foi se virando para mim...me viu, me encarou, me olhou e eu olhando, a luz que saia da cozinha dava em cheio em cima dela...era linda, um anjo pensei, e a pia se encheu, tinha esquecido de fechar a torneira, e no que olhei e fechei ,quando voltei a olhar o jardim a visao tinha sumido.

Peguei meu lanche, um copo de leite e fui para meu quarto, tive o cuidado de fechar bem a janela, do banheiro tambem...tranquei meu quarto, por dentro, medo? medo do que? nao sei, tive medo..dormi, nao sonhei..

E dia seguinte dia de trabalho duro, sr Leonel, de roupas proprias e eu tambem, agachados tirando ervas daninhas, ele me dizendo quais eram, algumas se parecem com a plantinhas e assim foi ate' quase o meio dia, hora do almoco...fui comer com os outros empregados la' no galpao grande, me apresentei, se apresentaram , ficamos na prosa...eu perguntando, eles tambem e assim passou o horario, voltei para o jardim, desta vez eu so', eu ja' sabia o que teria que fazer toda a tarde..e assim fiz, sentindo uma paz, uma felicidade e nunca mais vi o vulto, a visao...

Dois anos se passaram. Fiquei expert em jardinagem, lia, relia, aprendia, sr Leonel e dona Janete tinham paciencia, me ensinavam, eu absorvia e deixaram todo o trabalho do jardim para mim, isto logo nos treis primeiros meses, eu ia 'a cidade comprar ferrramentas ou entao encomendava e a casa agricola vinha trazer, eu conferia, assinava e remetia a conta para o escritorio na cidade, uma vez por semana vinha um funcionario buscar papeis, fazer pagamentos e eu cuidando de tudo...

Uma tarde eu tinha terminado meu trabalho no jardim, fui beber agua em uma das fontes, agua fresca, gostosa, sempre bebia, e ouvi um soluco, me virei e no banco proximo 'a fonte..ela , a visao, chorando baixinho, suspirando, e fui me aproximando, ela parecia que nao tinha me visto, chamei baixinho,,,,ei..psiu,..moca...ei ...que nada!! e quando tentei tocar minha mao passou atraves dela...dei um pulo, quase caio, me equilibrei mas derrubei um vaso pequeno, foi aquele barulho...plof..e se quebrou e a planta se esparramou no chao...ela ergueu os olhos, abaixou rapido e foi na direcao da planta...tentava apanhar, nao conseguia ,sua mao passava atraves da planta...eu me abaixei, peguei a planta na mao...ela olhando a planta se levantar ..sozinha? deveria estar pensando, e veio de novo tentanto tocar e conseguiu...tocou a planta e minha mao juntas...retirou rapida e de novo tateou e vi que ela comecou a perder a luz, perder a fosforecencia e foi tomando formas humanas, coradas, e me viu...me olhou com dois olhos azuis e foi paixao 'a primeira vista, minha...e dela foi amor.

Nunca te vi por aqui, quando chegastes? me dizia ela

Mais de dois anos.Um dia eu te vi pela janela do banheiro e da cozinha, nao me vistes?

Sim vi...mas pensei que trabalhasse com os cavalos e nao com plantas..

Meu nome e' Jaime e o seu?

Flora.

E ficamos na prosa, me esqueci da hora, do tempo, de mim mesmo, so' tinha olhos para ela, e ela me contando...quando o jardim foi construido ela era menina, seu pai foi o arquiteto da casa , do jardim, de tudo por aqui...ela amou tanto o jardim que nunca foi embora de vez daqui...tinha partido longo tempo atras, mas vinha sempre que podia '' cuidar'' do seu jardim...nao tinha dia, nao tinha noite, sentia que deveria vir, vinha...sabia da sua condicao de visao, de vulto... e eu nao quis dizer:- de fantasma, de espirito..pensei, nao disse.

E me dizendo que se eu cheirasse de tal flor eu poderia ter o dom da cura, duvidei, nao sou idiota, nao sou credulo a tal ponto, mas para nao melindrar concordei e ela me dizendo :- se voce cheirar vai poder curar com seu poder mental, mas lembre-se toda vez que usar este poder voce tirara' alguns anos de sua vida, ninguem la' fora notara', sera' como se nada tivesse acontecido, mas voce sim notara' , sentira em seu corpo, seus cabelos, e se mesmo assim quiser pode cheirar...eu duvidando cheirei, nada aconteceu, ficamos na prosa muito tempo e eu amando minha visao, meu segredo...

E em dado momento ela comecou a se desvanescer, sumir e com um sorriso me disse :- voltarei , e sumiu.

E os dias passando, o tempo correndo e um dia recebo um telefonema , era minha ex-esposa dizendo que meu filho Lucas estava com muita febre, tinha sido levado ao hospital, estavam fazendo exames nele agora, e ela nao sabia o que fazer. Fui ate' la no hospital.

Aguardamos , e o medico veio com ma's noticias. Nao sabia ainda o que era. a febre nao queria baixar, estavam colocando soro com medicamentos, teriamos que aguardar, e aguardamos sentados em cadeiras ao lado dele, ele se batendo, sofrendo...e de manha nada de melhoras, o medico veio, chamou enfermeiras, outros medicos vieram e balancavam a cabeca..novos exames foram pedidos, com urgencia e Lucas nao voltando, parecia que estava indo embora e eu me desesperei ao ver o desespero da mae...e me lembrei do poder de cura..na duvida, eu ainda tinha e muita, colquei minha mao na cabecinha dele, nada aconteceu...continuei com minha mao por la' e chamando:- Lucas..Lucas...e na terceira vez que chamei Lucas ele tremeu todo, deu um soluco forte, como se engasgando e abriu os olhos, rapido, e fechou de novo e eu chamando agora alto Lucas Lucas e minha ex veio e ele se virou de lado, abriu os olhos e comecou a chorar, chorar e apertava minha mao...pai, pai...ta' doendo muito...e eu apertando sua cabeca com minhas mao, sentindo sua febre passar para mim, meu braco queimando e eu conversando com ele...Lucas, fala comigo, com sua mae, e ele se virou, viu a mae, tentou ate' levantar, nao deixei, e minha mao fervia agora...sua mae tocou nele e deu um grito:- Jaime ele nao tem mais febre, esta' gelado e continuou gritando, coitada, pensava que ele estava morrendo...e vieram medicos e enfermeiras correndo...eu retirei minha mao, coloquei embaixo da torneia fria...queimava, ardia...e sentei, chorei, chorei...e ja' comecaram a retirar dele tubos, e tudo o mais....dormiu a noite toda, sem febre, no dia seguinte teve alta...milagres da medicina , diziam, milagres dos remedios modernos...e ele cresceu para casar e me dar netos...e eu quando voltei para o jardim tinha 10 anos mais, meus cabelos tinham ficados brancos, mas engracado!!! ninguem comentava disto e nem das rugas e do meu andar meio diferente...parecia que nada tinha acontecido e eu ao me olhar no espelho tambem nao notava...apenas quando ia ao jardim sentia, e via meu reflexo no espelho d'agua por la''..nao tinha quase 35 mais, parecia 50, mas so' ali no jardim...fora dali nao.

E houve uma segunda vez, quando minha filha foi dar 'a luz de seu primeiro filho, estavamos la' aguardando e uma enfermeira nos chama, eu e a mae, na sala de partos...me explicam que talvez eles salvasssem a crianca, ela nao...nao me desesperei...caminhei ate' onde ela estava , segurei sua mao e baixinho dizia..filha, filha ...Eliane, volta, sou eu , papai, sua mae esta' aqui tambem..volta...senti um calor saindo do meu braco, minha mao foi ficando vermelha e ela deu um pequeno tremor, abriu os olhos, me viu, lagrimas rolaram em seu rosto...apertou minha mao...obrigado pai, dizia. obrigado...e minha mao fervendo, queimando e o trabalho de parto comecando e foi rapido e rasteiro que ouvimos Andre, meu neto, chorando...minha mao ficou enorme, inchada, vermelha, escondi , ninguem viu, na confusao fui ao banheiro, molhava na agua fria, foi voltando ao normal...e eu ao voltar ao jardim parecia agora que tinha mais de 60...e nao via minha visao mais..

E eu vivia assim, fora do jardim ainda estava nos 35 agora, la' dentro? cada vez mais velho me sentia, me sentia fraco, velho e nao fazia mais meu trabalho correto e um dia minha visao veio, se transformou em mulher e ficamos na prosa por ali e senti que eu flutuava, ela me levava...eu via agora meu corpo, velho, abatido, deixado ao lado da fonte..e eu subia, subia e ouvia, via, cenas da minha vida....minha vida fora do jardim....entrei para trabalhar com 30 e poucos anos, trabalhei mais de 30 anos por la', e agora com mais de 60 estava partindo e via nao mais sr Leonel nem dona Janete, eram os filhos deles agora cuidando de tudo e um novo jardineiro chegando e eu vendo minha ex, velhinha tambem, em um velorio...era o meu.

E via o novo jardineiro fazendo tudo como eu fiz e vi tambem o antigo, o que me antecedeu, e vi cenas da vida dele tambem...tudo igual a mim...e o novo comecando tudo de novo no JARDIM DA FELICIDADE....e era mesmo, fui muito feliz por la', foi la' que aprendi lidar com a flora e foi la' que conhedi FLORA, a que hoje vive comigo na morada da sexta felicidade...somos jardineiros por la', eu e ela, ela e eu...e' tao lindo o jardim por la', na morada que tem um nome tao poetico...da sexta felicidade, as outras cinco? ficaram la' no jardim antigo, lindo..construido em 1898...um primor de jardim.

E eu, me orgulho disto, deixei mais lindo ainda.

Plantei muitas mudas de amor por la'.

Vingaram, tenho maos de ouro para plantar, cresceram e quando florescem...sai de baixo, sai cada cacho de flores, lindas!!!

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WILLIAM ROBERTO CUNHA
Enviado por WILLIAM ROBERTO CUNHA em 04/05/2010
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