Um homem num lugar qualquer

Sentia-se estranho, não podia se mover. Não enxergava, tinha ainda um restinho de tato e a audição. As mão secas não podiam tocar as fossas escuras de sua face, fossas essas que um dia foram ocupadas por duas jóias verdes, claras e brilhantes que o fazia enxergar longe, mas agora tudo escurecera e não via nada além das trevas.

Curiosamente estava consciente, lhe restava ainda alguma memória, porém não lembrava como chegou a tal situação, mas não se incomodava com o atual estado. Não o incomodava a água preta, pútrida de esgoto que corria por entre as crateras em sua pele nem as moscas negras que rondavam sua boca semi aberta, sentia sem esboçar qualquer tipo de reação as mordidinhas de ratos e outros animais malditos que ceavam seu corpo. Sentia um mau cheiro, entretanto não sabia se o odor provinha dos animais malditos, da água podre ou de seu próprio corpo, mas mesmo assim não se incomodava. Tudo era muito úmido. Com lembranças nubladas lembrou da família sem sentir saudades, lembrou dos amores, mas não sentiu paixão, pensou nos crimes e pecados, mas também não sentiu remorso. Sabia o que já possuira sentimentos, mas não os sentia mais. A água preta escureceu-lhe o sangue e sufocou a alma. Certa hora ouviu vozes:

- Aqui! Encontrei!!

- Tragam o saco!!

Minutos depois em meio a reclamações e comentários sentiu, sem surpresa ou qualquer tipo de incômodo, seu corpo ser ensacado carregado. Estava morto há sete dias.

Rafaello Merisi di Caravaggio
Enviado por Rafaello Merisi di Caravaggio em 25/04/2010
Código do texto: T2217945