O caso insólito
O Caso Insólito
À tardinha, lia um jornal, sentada num banco da praça e deparei-me com uma figura de mulher que passava adiante, levando uma criança ao colo. Passei a meditar sobre a vida das mulheres. Pensei nas intelectuais, aquelas que dedicam grande tempo de sua vida às leituras e à escrita; pensei nas mães domésticas, chamadas assim por não exercerem outro serviço fora do lar. Mas meu coração doeu, quando pensei naquelas mães que nem domésticas podiam ser, pois moravam na rua com seus filhos; pensei naquelas que nem de seus filhos cuidavam porque seus rebentos viviam na rua ou em orfanatos, tendo mães vivas; pensei nas mães, essas mulheres que engravidam sem responsabilidade e que se tornam cruéis e insensíveis, ao matarem seus filhos. Sei que cenas maravilhosas e cenas macabras desfilavam pelos meus pensamentos.
Após essa meditação, levantei a cabeça e meus olhos não viam mais a mulher que levava uma criança ao colo, mas uma mulher de semblante triste, olhar perdido... Sua face era marcada pelas cicatrizes que o tempo se incumbe de deixar nos rostos mais belos!
Com passos lentos, aproximou-se de mim e me olhou com um olhar suplicante. Olhei-a também. E ficamos ela e eu sem dizer palavra, conversando apenas com o olhar, num silêncio eloqüente. Tive vontade de me levantar e sair, de perguntar o que ela queria, mas não foi preciso. Com passos lentos, aproximou-se de mim. Perguntou-me as horas. Precisava chegar a um lugar que não sabia onde ficava. Pediu-me ajuda, com voz muito fraca. Parecia doente. Não relutei em ajudá-la, mas perguntei-lhe o que ela queria que eu fizesse. O meu carro estava num estacionamento próximo. Ela me estendeu a mão magra e enrugada e, ao contato com a minha, senti que estava gelada. Entregou-me um papel, onde li: “Mansão das Bromélias, 74-Condomínio Jardim Encantado”. Só isso estava escrito no papel já muito amassado, pois o trazia apertado na mão bem fechada. Havia qualquer coisa de mistério! Pensei um pouco, fiquei receosa diante do endereço e do aspecto bizarro daquela mulher. Precisava saber algo mais. Aliás, não sabia nada. Tomada de dúvidas, perguntei-lhe o que pretendia fazer naquela mansão, se tinha algum parente lá. Ela, nervosa com as minhas indagações, disse secamente:
-Agora não me pergunte nada, por favor. Agradeço-lhe por estar me ajudando. Vamos!
Era como se fosse uma ordem. Mas o tom de sua voz era suave e me deixou mais calma. Realmente, seus modos de falar, suas atitudes, não combinavam com seus trajes e com seu aspecto de gente do povo.
Seguimos. Eu, um pouco perturbada; ela, senhora de si, quando viu o carro deslizar pelo asfalto úmido daquele anoitecer de inverno. Caía uma gélida neblina e a sensação era de que algo ruim estava para acontecer. Quando pensava que estava ali ajudando uma pessoa carente, sentia-me tranqüila e até feliz. Mas, às vezes, vinham-me à lembrança casos estranhos e um medo horrível dava-me frio na espinha. Uma relação humana natural, se não vivêssemos no mundo de hoje.
Não suportando mais o silêncio, perguntei-lhe novamente o que ela pretendia fazer naquela mansão, se era residência de parentes ou amigos. Com voz trêmula, me respondeu:
-Agora não me pergunte nada, por favor. Tenho pressa. Agradeço-lhe por me ajudar. Vamos. Acelere!
Seguimos. Eu, perturbada com tudo aquilo, pensava comigo mesma: “Como fui entrar nessa? O que me aguarda? Será uma cilada do destino”? Ela, senhora de si, quando sentiu que estávamos a caminho.
Uma mulher mal vestida, mal cuidada e com ares enigmáticos não me parecia uma serviçal. Suas atitudes faziam-me crer que ela ia prestar alguma ajuda a alguém... Mas, nessa onda de maldades, às vezes era tomada por surtos de medo.
Chegamos ao endereço. Ah! Caro leitor, fiquei perplexa ante a robustez da paisagem. Uma alameda verdejante abria caminho para o condomínio. Fomos transportados para outro cenário. Deu-me a sensação de que estávamos em etéreas plagas. Passamos pela guarita sem problemas. Apenas um sinal com a cabeça da minha companheira, a passagem foi liberada. Paramos no número setenta e quatro. Esplêndida mansão. A mulher que até esse momento não me dissera nada, nem seu nome, olhou para mim e esboçou um suave sorriso. Pensei que fosse me convidar par descer; estava curiosa e apreensiva. Mas, no momento em que ia ajudá-la a descer do carro, olhei para o banco do carona e não havia ninguém. Olhei em volta. Nada. Para onde ela fora? Entrara na casa? Tudo era silêncio. Não se ouvia nenhum barulho, apenas o farfalhar das folhas ao toque do vento. Era um lugar bonito, mas àquela hora, inspirava em mim uma sensação estranha, um medo de que estava sendo vigiada, de que alguém iria impedir-me de sair... Fiquei concentrada por alguns segundos, olhei para o lado e nada. Olhei mais uma vez para o banco do carona. Estava vazio. Que sensação horrível! E pensei comigo mesma: “tenho de sair daqui o mais depressa possível”. Quando ia ligar o carro, dei com os olhos num papel no banco vazio. Tremia, estava nervosa, mas mesmo assim consegui ler: “Volte em paz e o Senhor pagará em dobro esse ato de bondade”. Aliviada com a leitura, saí às pressas do condomínio e ganhei a avenida principal que me trazia de volta a casa.
A noite foi longa e agitada. Não disse nada a ninguém para não causar medo ou apreensão. No dia seguinte, li a manchete do jornal da manhã: Milionária da Mansão das Bromélias é salva, misteriosamente, de um assalto em sua residência, ontem, às 18h30min.
Fiquei estática. Era justamente onde fora, levando uma indigente e exatamente a essas horas... Um mal-estar tomou conta de mim e não continuei a leitura.
Mais tarde, após o susto, procurei acompanhar o caso e fiquei sabendo dos detalhes: a polícia apareceu ao local a chamado de uma senhora que não quis se identificar e não encontrou nenhum assaltante. Estava sentada e amarrada a uma cadeira, a dona da casa que, sob estado de choque, falava de uma mulher que aparecera na hora em que dois homens apontavam-lhe uma arma. Depois, não viu mais nada, nem teve condições de avisar à polícia.
Após revisar toda a mansão, a Delegacia registra o caso como insólito.