O Cínico...
Na cidade de Ancorada, uma jovem moça, previsivelmente bonita e inteligente; dotada de um conhecimento literário e uma agudez de espírito, uma sensibilidade poética e proprietária de grandes sonhos, como são todos os jovens que se possa imaginar; e um, declamado aos quatro ventos, amor exorbitante que a fez empurrar das ribanceiras o namorado que acabara de desatar o contrato romanesco, e que a deixara muito insatisfeita por suas vontades, e fazendo-a aceitar as escolhas assim decididas. Sentada na pedra do tijolo aos prantos surdos da grande “perda”, arrasada e aos xingamentos com o deus dos céus que, segundo ela, coitado, foi o culpado de todo aquele amor acabar. – não diria culpado pelo amor ter acabado da parte dele, mas pela fraqueza que se é permitida às criaturas como ela. – se é que Deus nos fez como diz o Pentateuco. Visto que, paradoxalmente houve um ato de atrocidade em nome do maior axioma da humanidade, o amor. E que segundo Jesus Cristo, este amor deveria ter a função do “bem-querer” ao invés do apenas querer e, contudo decidir sobre a vida do outro como se fosse a sua vontade o único bem. Temos aí um caso de dentes mordidos pela incompetência moral que nos é ensinada desde a infância, de que temos alguém ao invés de apenas estarmos com alguém ao namorar. – talvez seja este o maior problema dos relacionamentos humanos que nos faz pensar em posses de pessoas. – minha namorada, meu amigo, minha esposa, e por aí vai. A jovem moça, consternada pela insuficiência de seu amor próprio e pela vaidade do relacionamento convencional e comprobatório. Afirmava amar incondicionalmente (coisa clichê) o rapaz que já, naturalmente, se interessara por outra com mais apetrechos e compatibilidades genéticas. – assim é o ser humano. – o amor, ou em outras palavras, a vontade: é o desejo de posse que é convertido em uma permissividade existencial. Ninguém costuma amar o que não se tem nenhuma vontade atrativa. Por exemplo: o que não é belo; e ninguém costuma permitir que algo não atrativo, como por exemplo: o mal perdure. Assim foi aquele fim inaceitável de um romance que já levara três anos e uma carga emotivamente poética. – a poesia é também fruto da vaidade e do subterfúgio da insipidez. O rapaz caíra no chão escarpado depois de, honestamente confessar suas inconfidências poligâmicas à moça de coração egoísta e moralmente ultrapassado. Não houve morte, apenas uns arranhões e o orgulho ferido de quem o empurraram. “Um amor perdido...” era o último estribilho poético da estudante de letras. Um malgrado e um desejo de vingança desnecessário para além dos azedumes foi o que restou do que antes era o fruto do maior sentimento do mundo. – Ora. Faça me rir de outra forma que tudo aquilo era uma hipocrisia só. – Não guardo mais mágoas dessa última namorada.