FANTASMA POR UM MOMENTO
Armando andava com dificuldade, seus 70 anos já pesavam bastante e para complicar uma artrite exigia o auxílio de uma bengala para locomover-se. Vivia em uma pequena casa a margem da estrada e mantinha um relacionamento com a viúva Marilda, mãe de um casal de filhos. Marilda morava perto dali, também em uma casinha modesta com a filha menor, o filho mais velho, morava com a avó e estudava na cidade. Ela queria que ele morasse com ela, mas Armando recusava. Não queria ter que agüentar a capetinha da Jenifer, que aos seus 3 anos de idade, era uma menina levada da breca. Assim, mantinha distância de dor de cabeça desnecessária. Ajudava a viúva e duas ou três vezes por semana dormia com ela. Apesar da idade e da diferença, ( a viúva tinha apenas 35 anos) os dois se relacionavam bem e Armando ainda dava conta do recado. Possuía além da aposentadoria, umas economias acumuladas ao longo de 30 anos como servidor público. Ultimamente uma dor no peito o incomodava, surgia às vezes mais forte, escurecendo-lhe a visão, hora mais amena, apenas umas ferroadas. Naquele dia a dor já se manifestara algumas vezes. Sabia que seu coração tinha problemas e que precisava cuidar-se. Fumante inveterado mantinha o vício apesar dos alertas do médico que o tratava. Aproximava-se da casa da viúva, quando a dor voltou a incomodá-lo, desta vez bem mais forte. Repentinamente sentiu a visão turva e tudo foi escurecendo e sentia que o equilíbrio aos poucos o abandonava e cambaleante tentava manter-se de pé, mas foi inútil. Caiu de costas no gramado a beira da estrada e ouvia a voz de Jenifer, - Mãe, titio caiu.
– Marilda acorreu aflita e tomando-lhe o pulso, percebeu que os sinais vitais estavam se esvaindo rapidamente. Armando estava morrendo. Ele ouvia o que ela falava ao celular chamando seu irmão que possuía um carro e morava perto dali, para ajudá-la a tomar as providências. Armando foi tomado por uma sensação diferente, não sentia mais dor e apenas uma paz agradável que não sabia explicar. Tentava mover-se, mas, seu corpo não obedecia. Então aconteceu algo inusitado. Começou a elevar-se no ar e podia observar seu corpo caído ali. Via o carro do irmão de Marilda aproximando-se embora não conseguisse explicar o que estava acontecendo. Jenifer acocorada junto a seu corpo, o acariciava e a ouvia dizer,
- Mamãe, titio tá dormindo? A capetinha afinal gostava dele. Quando chegava à casa, mal sentava-se e ela vinha encarapitar-se em seu colo e mexia nos seus bolsos e impedia-o de fumar. Armando tentava deduzir o que estava lhe acontecendo. Será que estou morto ou isso é algum ataque que faz essas coisas estranhas acontecerem? Então uma voz vinda de alguém também flutuando paralelamente falou, – Sim, você está morto. Bem vindo.
– Bem vindo? Onde estou e o que está acontecendo? Armando começou então a entender.
– Você está em outro plano, agora seu corpo foi descartado e você não precisa mais dele.
– Quem é você?
– Meu nome é Onira e estou aqui pra te ajudar. Quando a gente morre, leva um tempo pra entender o que aconteceu. Eu também morri devido a problemas cardíacos aos 81 anos. Já estou aqui a bastante tempo.
– Espera, 81 anos? Mas, você é jovem, como é isso?
– Bem, é meio complicado, quando nascemos, nosso corpo possui uma cópia de plasma que nos acompanha a vida toda. O plasma não é atingido pelas leis físicas, então, acompanha seu crescimento, mas não se deteriora como seu corpo físico. Isto é, não envelhece. Então veja, você também é jovem e assim permanecerá. Conservamos a aparência que temos quando paramos de crescer. O corpo morre a alma não.
– Como a gente faz pra sair daqui? Não estou a fim de ver meu próprio velório.
– É simples, pensamos em outro lugar e pronto estamos lá Vamos pra Paris, sei que você gostaria. – Como sabe?
– Bem, podemos ler o pensamento dos vivos. Fiquei esperando você, porque você pensa como eu. Armando e Onira, agora estavam em plena torre Eiffel, bem no topo de onde viam Paris em todo seu esplendor.
– E aquela história de Deus anjos e demônios? – Não é assim, aqui nossos atos são determinados pela nossa consciência superior. Temos o domínio total de nosso pensamento, pois nosso cérebro não está sujeito às limitações físicas. Trazemos para cá os fantasmas de nossa crença. O subconsciente assume aquilo que cremos. Nos sonhos, nós estamos a mercê dele, que os providencia de acordo com certas regras de manutenção, assim se acreditamos em demônios, eles estarão presentes após a morte. Aqui está cheio de gente que continua sofrendo, por que acreditam em castigos divinos e suas consciências não as deixam em paz. Você e eu sempre duvidamos disso, por isso estamos livres de anjos ou demônios. Você foi um homem bom e correto, portanto sua consciência tratou de deixá-lo livre para viver aqui, em conformidade com suas crenças. Apenas uma vida que continua sem interferências e onde podemos experimentar sensações impossíveis em nossa existência física. Não podemos interferir com os vivos, mas, somos capazes de coisas que eles nem imaginam serem possíveis. Podemos flutuar pelo interior das florestas, navegar oceanos ao nível de seus habitantes submarinos, voar como os pássaros, pegar carona nas azas dos aviões ou simplesmente mergulharmos nas profundezas da terra ou viajar até a lua. Armando estava impressionado e embevecido com o que ouvia.
– Puxa, quer dizer que posso ver os jogos do meu time, diretamente de dentro do campo em meio aos jogadores? A gente pode também namorar? Como funciona isso? Pode me contar? Repentinamente o cenário ia mudando e Armando não conseguia entender o que estava acontecendo. Estava agora deitado sobre uma cama alta e via Marilda segurando seu pulso e sorrindo. Aos poucos a figura dela ficava mais iluminada e nítida. O irmão dela sentado sobre uma cadeira o observava preocupado. – Como se sente? Perguntou Marilda.
– Me sinto bem, onde estou?
– Você está no hospital. Teve um enfarto que quase o matou. Você esteve em coma por um bom tempo. Os médicos o deram como morto, mas, conseguiram ressuscitá-lo.
– Puxa, pensou, então foi um sonho? Ou será que estive morto?. Havia agora em seu cérebro uma confusão, não conseguia determinar o que realmente acontecera. Seja como for ali estava mais um daqueles mistérios que só vamos desvendar quando chegar à hora.
Ou foi um sonho ou eu fui fantasma pelo menos durante um tempo. Mas era bom estar de volta. Agora iria cuidar mais da saúde e tentar largar o cigarro, mas, alguma coisa estava mudando. Não tinha mais medo da morte e rezava para que fosse verdade o que vivera durante aquele breve momento. Jenifer ao colo da mãe, sorria-lhe docemente beijando a palminha da mão, soprou um beijo em sua direção. Descobriu então que adorava aquela capetinha. Era hora de mudar os seus conceitos. Talvez fosse o momento de se mudar para a casa da viúva ou quem sabe, trazê-la para sua casa que era maior.