Doze de abril, 2010

Eric acordou à mesma hora de sempre e sentiu o cheiro estimulante do café preparado por sua namorada invadir cada canto do apartamento.

Com um gesto cortês, cumprimentou o estranho que lhe encarava do espelho todas as manhãs com sua barba por fazer e o rosto ligeiramente inchado pela noite de sono. Mesmo sendo aquele o mesmo rosto de sempre, havia algo diferente, alguma coisa havia mudado mas ele não conseguia dizer exatamente o que poderia ser. Teria algo assimétrico em seu rosto sem ter percebido? Sua pele apresentaria rugas antes inexistentes? Ele sabia nada daquilo tinha sentido e lavou as idéias tolas com água muito fria de encontro ao rosto.

Ela estava sentada à mesa, cabelos ainda revoltos e vestindo uma camisa grande de mais e que ele não conhecia, ocupava o mesmo assento todas as manhãs desde que passaram a morar juntos. Seus olhos reprousavam sobre a xícara que fumegava a sua frente e deixava rastros de anéis de café na toalha de mesa surrada a cada vez que erguia a porcelana em direção aos lábios. Em vão tentou falar e chamar-lhe o nome e imaginou que ainda estaria aborrecida com a discussão da noite anterior. Não insistiu no assunto, desde sempre esperavam que o aborrecimento se dissipasse com o tempo após desentendimentos.

Deixou que seu café e as torradas esfriarem, atipicamente não sentia fome naquela manhã, primeiro dia de suas férias. Poderia ter programado qualquer coisa, até mesmo aquela viagem que há muito desejava, mas não. É difícil desprender-se de alguns hábitos, então vestiu-se como fazia todas as manhãs e caminhou sem rumo apenas por não ter para onde ir. Não sentiu o tempo transcorrer enquanto estava naquele banco de praça, o sol estava alto no céu, não sabia a hora exata pois os ponteiros de seu relógio haviam parado há horas e seu organismo, ainda em jejum, não manifestara sinais de fome ou fraqueza.

Retornou para casa e com decepção constatou que ela havia saído sem ao menos lhe deixar um bilhete com um pedido de desculpas. Jamais poderia imaginar que isso pudesse tomar dimensões maiores, nunca haviam brigado seriamente. Precisava ouvir uma voz familiar, mas ela nunca deixava o telefone no lugar devido... E neste momento reparou que as fotografias na parede, próximas ao telefone, estavam diferentes. Sim, muito diferentes, mas era algo mais concreto que a sensação de estranheza em seu rosto. As mesmas fotografias emolduradas que antes exibiam a felicidade de ambos, agora mostram o rosto dela ao lado de um homem desconhecido.

"Como isso seria possível?" Pensou ele, em desespero. "Porque me castigar de maneira tão cruel?"

Tentou discar seu número em vão, inúmeras vezes, apenas obtendo um zumbido na linha como resposta. Eric, sentindo-se miserável, decidiu que a única coisa que poderia ser feita no momento, seria sentar-se em uma poltrona e aguardar que ela retornasse para casa.

O meio dia rapidamente transformou-se em crepúsculo, ele ainda não sentia fome e parecia não se dar conta de nada disso. A agonia que o devorava por dentro o impedia de constatar que ele nunca existiu.