A MORTE DO FALECIDO

Valmir era um desses que não perdem um bom baile. Era um bom pé de valsa e aos 45 anos orgulhava-se de dançar a noite toda ganhando de muitos mais jovens que abandonavam o salão para descansar. Gostava de pregar peças aos amigos fingindo que morria. Era um especialista em simular um ataque cardíaco e desabar como se estivesse mesmo morrendo. Chegava ao cúmulo de encenar os espasmos característicos de quem está agonizando. Essa mania já lhe valera muitas broncas de seus amigos que sentenciavam, ”Dia desses, você morre mesmo e ninguém vai ligar.”

Sábado como de hábito chegou sedo para o baile de fim de semana. Primeiro foi para a copa tomar uns drinques e depois deu uma volta no salão de olho na mulherada que já estava no vai e vem para o toalete pra arrumar a maquiagem. Ele tinha uma preferência pela Adelaide que dançava muito bem. Era leve como uma pluma. Mas ela ainda não havia chegado apenas seus amigos, Jóca, Raul, Celestino e o pinguço do Ramiro que estava sempre bêbado e já vinha para o baile com o tanque cheio. O baile começou, como de hábito as zero hora em ponto, ( As festas no Brasil, começam sempre a meia-noite) e cada um foi em busca de seu par para mais uma noitada. Adelaide finalmente apareceu e Valmir ansioso correu para ser o primeiro a tirá-la para dançar. Os dois rodopiavam pelo salão e Valmir exibia-se para os amigos, tentando inventar coreografias e mostrar que era bom nisso.

Lá pelas tantas, justo na troca de orquestras deu uma pane no sistema de palco e o deejay improvisado colocou uma música de fundo enquanto concertavam o estrago. Valmir foi para a copa beber mais um pouco com seus amigos que estavam junto ao balcão. A cerveja rolava solta e de repente o Valmir cambaleou arregalando os olhos e deixando cair o copo que se quebrou respingando cerveja em seus amigos que obviamente chiaram!

– Caramba! Pare com essa brincadeira, você ainda vai se dar mal! Valmir continuava a contorcer-se e começou a soltar espuma pela boca e nem assim seus amigos perceberam o que estava acontecendo. Houve um burburinho geral e os comentários eram na maioria de pessoas indignadas com a brincadeira que sempre se repetia. Seus amigos voltaram às suas bebidas reclamando da mania do Valmir. Celestino o mais chegado, cunhado de Valmir estranhou a demora e percebeu que os lábios do amigo estavam ficando roxos.

– Pessoal! Chamem uma ambulância, parece que desta vez a coisa é séria. Fim do baile, a ambulância chegou, mas já era tarde. O médico atestou, parada cardíaca causada por enfarto agudo fulminante. Foi uma correria e a noticia se espalhou como fogo em palha. O Valmir tanto fingira morrer que acabou morrendo mesmo.

Naquela época os velórios eram na casa do falecido, de formas que Cenilda, irmã do Valmir, casada com Celestino, encarregou-se de preparar o velório e dar uma limpeza na casa para acomodar o pessoal que viria em peso. Valmir era muito querido na região. Preparou pasteizinhos e uma boa quantidade de café. O velório iria varar o resto da noite e boa parte do dia. O enterro seria as 5 h da tarde. Já eram 5 h da manhã e tudo transcorria dentro do habitual. Roda de chimarrão e a conversa se limitava a relembrar a vida do falecido. Apenas o Ramiro dormia sentado em um canto curtindo o porre e nem acordava com o murmurinho das conversas.Vez por outra dava um tapa em algum mosquito e roncava até que alguém lhe desse um cascudo. Reclamava e voltava a dormir. Cenilda desdobrava-se para atender a todos, velório por ali servia também pra fazer uma boquinha. Estava cansada com a correria. Vestir o defunto, avisar a vizinhança, se bem que dona Constantina, ajudava bastante, ela gostava do Valmir, mas este era vidrado na ex esposa e nem queria saber.

5,30 h da manhã, as pessoas já sonolentas, mantinham-se fiéis ao ato de velar o amigo.

Então Valmir sentou-se no caixão e foi tal a correria que nem a invasão de uma onça pintada esvaziaria a casa tão depressa. Com a gritaria e a zoeira da fuga coletiva, Ramiro acordou e vendo a figura do amigo tentando erguer-se para descer do caixão gritou.

– Cruz credo! Valha-me nossa senhora!

Foram 3 tiros a queima roupa. Valmir desabou por cima do caixão esparramando tudo pelo chão. Ramiro ainda meio dormindo, esfregou os olhos.

– Nossa! Que foi que eu fiz? Não era um fantasma? Pensei que o falecido tinha vindo ao próprio velório e eu morro de medo de fantasmas. E agora? Desculpe amigão, foi mal! Bem, vou me mandar antes que alguém volte. Jogo a arma fora e vou encher a cara!

Saiu pelos fundos sorrateiramente e chegando junto ao riacho que passava junto à estrada, jogou a arma. Então viu as labaredas consumindo a casa.

– Puxa! Esqueci de apagar as velas! Credo! O cara morreu três vezes! Enfarto, tiro e incêndio! Pode? Isso é porque ele brincava de morrer e com a morte na se brinca.

Lauro Winck
Enviado por Lauro Winck em 06/04/2010
Código do texto: T2180345
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