A Menina que Não Fechava os Olhos

Certa vez, ouvi a história de uma menina que tinha os olhos eternamente abertos. "Ora, mas que história é essa?", perguntei, à guisa de qualquer tipo de explicação racional para tal fenômeno. "Ela simplesmente nasceu assim", respondeu-me o contador de histórias, "não fecha os olhos nunca, não pode fazê-lo". "E como dorme?", perguntei. "Põe uma venda sobre os olhos e consegue descansar, mas nunca dorme; no máximo desliga-se do mundo por alguns segundos, mas a qualquer mínimo burburinho ou barulho volta à consciência". "E seus olhos não ressecam?". "Não", ele me disse, "estão sempre molhados, com lágrimas escorrendo constantemente, algumas vezes avermelhados, como se ela vivesse sempre a chorar e já não ligasse mais para isso". "E onde essa menina se encontra?", eu perguntei. "Ora, eu não lhe diria, homem, ela já foi durante muito tempo importunada por jornais sensacionalistas e pseudo-científicos; nunca mais contei a ninguém sobre sua existência". "Juro que não farei nada de mal, quero apenas vê-la, conhecê-la". "Prometes?", ele me perguntou. "Prometo", eu respondi.

Então ele me levou, e só assim pude acreditar que tudo aquilo era verdade. Era uma garotinha de doze ou treze anos, magricela e de cabelos curtos, com olhos estáticos e profundos como universos paralelos. Brilhavam com as lágrimas que lhe escorriam pelo rosto. "Quem é você?", ela perguntou, olhando de mim para o contador de histórias. "É um amigo, Dora. Queria conhecer-te". "Para rir de mim?", ela perguntou. Lágrimas caíam de seus olhos e eu não pude saber se eram de tristeza ou de constância. "Queria apenas ver-te", respondi. "Pois já viu", ela replicou, "agora feche os olhos e não verá mais. Eu não tenho essa sorte". Ficou me encarando, tanto por incapacidade de fechar aqueles olhos brilhantes quanto por vontade de me enfrentar, me intimidar e me fazer abaixar os olhos. Não os abaixei. "Desculpe-me por parecer impertinente, não quero fazer troça, só queria saber se esse homem me dizia a verdade ou se simplesmente brincava com meu imaginário". "Pois ele diz a verdade, como pode ver", ela pegou um pano dos bolsos e secou inutilmente o rosto, onde outra lágrima escorreu. "Não posso fechar os olhos para as doenças do mundo ou para as cenas que vejo pelas ruas. Não tenho a sorte de simplesmente fingir que não está acontecendo, pois sou obrigada a ver tudo o que se passa, mesmo a contragosto. Não sou como os homens que simplesmente fecham os olhos para os problemas ao seu redor e se envolvem numa redoma imaculadamente perfeita. Se tivesse tanta sorte, certamente seria mais feliz". "Não é sorte, é simplesmente comodidade desses homens que não querem enxergar". "Comodidade que não tenho chance de experimentar. Vejo todas as mazelas do mundo e tudo o que posso fazer é continuar olhando. Seria melhor que furassem meus olhos e me cegassem de uma vez". "E porque tanto ódio pela visão?". "É que posso ver tudo, é que tenho que ver tudo, por isso me entristeço".

Fui embora dali pensando sobre aquelas palavras. Ela não tinha escolha ao ver um homem dilarecado por um carro em um acidente, já eu tinha. Fechei os olhos, nauseado, quando o ônibus passou ao lado do acidente desastroso. E depois chorei, pensando em todas as coisas horríveis que aqueles olhinhos de doze anos de idade já haviam visto. Dora, a menina que não fechava os olhos, nunca mais saiu da minha vida, mesmo nas noites em que eu fechava meus olhos e punha a cabeça sobre o travesseiro, vendo luzes translúcidas sob as pálpebras e dormindo tranquilamente sobre a escuridão que ela nunca conheceria.