Conto sem Sorte
Em um tempo não muito distante, um monge tibetano resolveu disciplinar... Acompanhado do mais quieto discípulo, decidiu sentar ao pé do monte e atirar ao vento algumas queixas enquanto o pequeno aprendiz atirava ao vento algumas pedras... Sentados a beira do penhasco o pequeno ouvia sereno o monge que por alguma razão queria desabafar e descarregar o fardo do infortúnio azar.
“ Sorte daquele que conhece a trapaça... Com sorte, Saberia elucidar um traidor...”
O discípulo nada disse e apenas atirou uma pedra morro abaixo.
“ Sorte daquele que conhece a volúpia... Com sorte, Saberia desencantar um pecado...”
O pequeno tibetano sem pressa jogava mais uma pedra.
“ Sorte daquele que conhece a desgraça... Com sorte, Saberia enaltecer um desesperado...”
Apesar do seu descaso, o discípulo sabia que estava sendo testado. Antes de lançar a pedra pelo abismo, sucumbiu em dizer algo, mas diante daquela imagem sábia, temeu como sempre ser precipitado. E por isso trocou suas palavras pelo silêncio e seus pensamentos por mais uma pedra atirada ao vento.
“ Sorte daquele que conhece a ilusão... Com sorte, Saberia transformar a realidade...”
Mais uma pedra jogada ao penhasco que como todas, tinha um destino certo porém curto!
“ Sorte daquele que conhece o amor... Com sorte, Saberia acreditar na vida...”
O monge prolongou a pausa, fatigado. Mas ainda não sabia se o pequeno discípulo tinha entendido a importância da sorte como parte da sabedoria. E olhando pacientemente o pequeno, certo da quietação daquele jovem ainda brincando com a pedra e o próprio aprendizado, nada esperou ouvir.
“ Sorte é o que não temos por muito tempo.”
Finalmente disse o discípulo segurando a pedra da vez na mão.
O monge se surpreendeu com a conclusão do pequeno discípulo. Concordou com um sim por gestos com a cabeça. Curioso, perguntou porque ele não jogou aquela pedra... se a cada frase que ditava, o pequeno lançava uma para o abismo. O jovem discípulo apenas disse que foi vendo a rapidez com a queda da pedra e não o fim que havia destinado a ela, é que fez perceber o quanto a parábola da sorte tinha a ver com a pedra. Disse que a sorte era um belo destino porém era uma pena não poder pertencê-la por muito tempo... e finalizando sua frase, tentou jogar a pedra e antes que pudesse conseguir, o monge tibetano agarrou firmemente a pedra entre suas mãos e disse:
“Mas saberia muito menos se tivesse medo do pouco que tenho...”
O discípulo finalmente aprendeu sua lição.
A sorte pode ser passageira. Saberia melhor disso, aquele que não teme a própria sorte...