A invasão dos ratos chineses - VIII
Já era uma da madrugada e estávamos em pleno túnel sul, a caminho da casa de Karen, quando Jerusi nos comunicou que haveria uma reunião às oito da manhã, da qual ela queria arregimentar novos colaboradores. “Convidem quem possa nos ajudar!”, ela disse, e então lembrei de Ken.
– Sabe, um chinês pode ser muito útil nessas horas! – Eu disse.
E logo após desligar o videofone liguei para Ken. No entanto, divisei no vídeo a cara de um sujeito estranho, um chinês, que parecia muito feliz.
– Oi! – Ele me cumprimentou alegremente.
– Oi, sou amigo de Ken. Ele está?
– Quem?
– Sim, Ken.
– Quem?
– Ken!!!
O sujeito me pareceu estar se divertindo e aquela, definitivamente, não era hora para brincadeiras...
– Desculpar, estar aqui três dias, não falar língua...
E finalmente Ken chegou:
– Ei, é você? Queria mesmo falar contigo...
– Será esse o melhor momento para receber amigos chineses que não falam português? – Disparei.
– Ah, o Zeferino é meu primo! Fazia um bom tempo que ele desejava me visitar e conhecer o Brasil, mas não fazíamos ideia de que tudo isso ia acontecer...
– Zeferino?
– Sim, é o nome que dei a ele, afinal ninguém aqui vai conseguir pronunciar o seu nome chinês, não é?
– Espero que não... – Respondi sem pensar. – Ken, você pode ir na Zimmer amanhã, às oito? Vamos reunir um grupo de voluntários para combater os ratos.
– Claro! Posso levar o Zeferino?
– Melhor não, um chinês já basta, não é? – Falei e, em seguida, soltei uma boa gargalhada da cara séria que ele fez.
Depois consertei:
– Estou brincando, claro que pode levá-lo.
– Ok! Estaremos lá!
A fome estava apertando e convidei Karen para comermos alguma coisa. Como tudo estava fechado, paramos num posto que estava bastante cheio. Aliás, o trânsito já estava péssimo, portanto seria de se esperar que encontrássemos bastante gente buscando algo para comer. Parece que a um só tempo todos tomaram a mesma decisão: sair da cidade para fugir dos ratos e da ameaça de algum atentado. “Que merda!”, pensei.
Logo que descemos do carro, presenciamos algo que eu já estava me acostumando a ver: um rato passou por nós e, como sempre, parou, olhou bem em meus olhos, depois olhou para Karen e, enfim, empinou o focinho e seguiu a sua marcha, bem devagar.
Nem eu nem ela comentamos o incidente. Não valia a pena.
Entramos na loja do posto e, perplexos, percebemos que as prateleiras estavam todas vazias.
– Tem chocolate. – O atendente limitou-se a dizer, apontando para uma caixa depositada sobre o balcão.
Os olhos de Karen brilharam. Ela pegou algumas barras e fizemos a nossa refeição improvisada dentro do carro mesmo.
– Você também acha que tudo o que está acontecendo está relacionado com a crise diplomática que enfrentamos com a China? – Karen perguntou.
– Ao menos o atentado do Rio deve ter os chineses por trás.
– Aonde será que isso tudo vai parar?
– Não se preocupe, tudo vai terminar bem! – Respondi, tentando confortá-la, pois parecia muito triste.
– Você pensa em sair da cidade?
– Claro que não, vou ficar!
– Também não vou sair! – E, ao dizê-lo, ela até pareceu esboçar um sorriso.
– Na pior das hipóteses poderíamos nos transformar numa colônia chinesa... – Pensei alto, esquecendo-me que ainda a pouco tentava tranquilizá-la.
– Mas e já não somos? Há décadas nos tornamos uma colônia deles! E se, como agora, negarmos algo que nos pedem, eles vão tomá-lo a força. Acho que é isso que está começando a acontecer!
Notei todo o seu pesar ao dizer essas palavras, que lhe fluíram francas. E, depois de dizê-lo, ela me olhava fixamente, parecendo esperar que eu lhe apresentasse algum argumento contrário, algo que pudesse convencê-la de que estava errada. Mas não consegui dizer nada.
A única coisa que fiz foi puxá-la para mim, estreitando-a em meus braços e, abraçados, deixamo-nos ficar ali, até afastarmos a tristeza, a apreensão e o medo que vínhamos alimentando até aquele instante.