JACARÉS INTERIORES

Perambulava incerto, talvez até um pouco embriagado, assim, descoordenado.

Não lhe passavam considerações sobre a vida, saudosismos ou psicologismos quanto às suas capacidades. Mentais? Incapacidades mentais, também. Era certo que não raciocinava, a mente estava vazia.

Qual era sua profissão? Era psiquiatra? Poderia ele não compreender os mistérios de suas próprias dúvidas? Era incerto. Andava incerto naquela rua.

Como que sucumbindo a uma análise interior, punha sempre as mãos na cabeça. Tudo tão vazio. Tudo vago, propenso ao que pudesse ocupar espaço.

Incapacitado de reconhecer o próprio cérebro — escavava com os dedos ao seu encontro — passou a observar nas ruas as pessoas que o olhavam com receio. Injusto! Tudo isso em razão de suas incertezas. Despropositado o preconceito. Estava apenas confuso.

O que havia dentro daquelas cabeças que temiam seu perambular noturno? Queria descobrir.

Sorrateiro, se aproximou daquele que lhe traria respostas.

O cheiro provindo do homem remeteu-lhe a desejos aos quais não era afeito. Estaria passando por tão grave transtorno que até sua sexualidade passava por alterações?

Avançou assim mesmo.

Em pouco tempo estava sobre o homem, abrindo-lhe a cabeça, comendo seu interior. Apreendia o interior do outro. Do oculto palatável sentiu o gosto.

Gostou.

Depois do primeiro, partiu para um próximo. Mas era grave. As pessoas corriam desesperadas por que ele um homem que havia comido outro homem.

Sua coordenação era ainda descoordenada, mas havia o hábito — desde que provara do primeiro, havia o hábito.

Queria repetir por que gostou.

As pessoas escapavam-lhe e- de repente, deparou-se como outro que assimilara de suas vontades. Era simbiose? Estranhamente, o homem que ele havia comido se levantara e queria também saber o que existia na cabeça dos outros. Eram, enfim, membros de um mesmo grupo. O outro compartilhava de suas dúvidas, logo, com todos compartilhando, deixariam de existir.

Infelizmente as pessoas fugiam temerosas. Era necessária mais agilidade.

Conseguiria andar naquele skate abandonado? A juventude era rápida e tinha seus meios de serem rápidos. A juventude era rápida e passava. A juventude era rápida e corria e ele deveria alcançá-la. Conseguia.

Andou e foi prático; se aproximou.

A verdade estava a um toque. Mãos estendidas, um puxão nos cabelos e a verdade da juventude seria exposta.

Mas havia os esgotos. O submundo urbano com seus bueiros abertos, o inferno aberto como subterfúgios àquela mente que vagueia. Caiu.

Não fedia, mas não havia a quietude que pensara haver. Prestando atenção, podia até ouvir diálogos próximos.

Sim, apurou os ouvidos. As vozes filosofavam, falavam da fome, da descrença, de Nietzche e Kant. Os homens não os compreendiam, não acreditavam.

Quando os jacarés vieram e arrancaram-lhe a perna, ele passou a acreditar que existiam jacarés nos esgotos, no submundo de sua mente. Coitados, tornaram-se zumbis também.

Fabiano Rodrigues
Enviado por Fabiano Rodrigues em 04/02/2010
Código do texto: T2068704
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