AMOR LÍQUIDO

AMOR LÍQUIDO

A vida diluindo-se no obliquo do dia-a-dia. Esférica, repetindo-se, quase que ocasionalmente. E eu aparando as palavras, tentativa vã de não lhe machucar e mantê-la como havia ditado o destino – ali, ao meu lado. Feliz. Sem olhares travessos para os lados. Porque eu deveria ser a sua única paisagem.

Ledo engano. Não dar para explicar como tudo aconteceu. No entanto o improvável se fizera provável e concreto. Era como se o martelo do juiz divino num descuido deste houvesse batido a sentença final. Os olhos dela caíram em outro olhar. Cego, sem mente, apaixonado.

Não dar para explicar como tudo aconteceu. Foi ventania em solo seco. Varria tudo. E o “jamais” se fez realidade em poucos dias. E eu com medo apertara o play e desatara a desfilar minha angustia em lamentos. Ela que paradoxalmente evoluíram da pausa para o stop, permanecia perto de mim em corpo sem alma.

Havia milhões de “talvez” e de “si” que não saiam de minha cabeça, misturando-se ao dejá vu, evoluindo drasticamente para o definitivo que se fez em poucos meses. Eu não podia acreditar. Não, não, aquilo não podia estar acontecendo. – Não conosco. Afinal, éramos Tarcisio e Glória, o casal vinte da TV.

Adoraria explicar o inexplicável. Porém, este assim como a morte, simplesmente existe, para o inexistir existir. E fim. Não há como dialogar, porque essa se afirma por ser um fato exato e pronto.

As perguntas saltavam em cachoeiras. Caíam direto no mar infinito, misturando-se ao oceano do “sem explicação”, me deixando sem respostas. Humildemente me vi praticando o meu “várias vezes” afirmado: - Jamais farei. No entanto, as circunstancias do momento quebraria qualquer protocolo inglês. E eu quebrei as minhas juras. Era o dito por não dito. Ou será o contrário? Não sei... Não importa a ordem de minha desordem.

Estava fazendo o necessário devido à gravidade da situação. Qualquer juiz me absorveria – menos ela – ela só me condenava – Não queria entender o meu desespero. Estava impregnada de si mesmo, não me via.

O tempo, o nosso tempo, agora já não escorria em gota em gota, contando os segundos. Fizera-se em avalanche, levando com ele os meus planos, retirando o futuro natural do tempo, tempo nosso, garantido por Deus intermediado pelo destino.

Em meu desespero, planejei mil e uma estratégias de não perdê-la. Mas, não existe receita perfeita para esses casos. Fui estragando uma por uma, ainda não sei se por excessos de ingredientes ou se o fato se deu pela intransitividade do produto final – O amor. Mas, como poderia ser intransitivo se era justamente pela transitividade que estava ocorrendo que eu me encontrava naquela situação deprimente?

Sim, era deprimente o meu estado. Eu mesmo o sabia. E ela também. Havia nos olhos dela uma piedade que eu dispensava, e que ela não verbalizava. Não sabia exprimir, ou ao queria. Seus olhos traduziam perfeitamente aquilo que sua boca em stop e quando muito em negativas, me afirma que iria passar. – Vai passar, tenha paciência!

Entretanto, seus atos lhe condenavam. Meu terreno seguro agora era areia movediça, se desfazia. As coisas que antes eram somente minhas começavam a ganhar uma pluralidade inadmissível. Ainda lembro quando um “amigo” veio a nossa casa e eles resolveram ir até o objeto da ventura dela e desventura minha. Num gesto tresloucado quis ir. Não fui. Ela não me deixou. Desespero... Raiva... Dor... Humilhação! Tudo ao mesmo tempo e o tempo todo.

Queria tanto parar aquele processo. Correr para os seus braços e procurar o seu abraço. Mas, ela se fizera sem braços. Eu procurava braços que não me abraçavam. Estavam amputados para mim. Eram para a outra que eles agora se abriam. Seu regaço se fazia largo para a novidade.

A paixão renova, rejuvenesce e embeleza. – Meu Deus, como ela estava linda! Era torturante vê-la tão bela. E as marcas do amor? Estas eram bem tatuadas. O tatuador se esmerava em seu “serviço”, deixando em evidencia o que meu coração magoado não queria ver, ou melhor, não podia ver, não deveria. Era desumano até. Mas quem liga para os sentimentos alheios quando tem os seus satisfeitos?

Dizem que o amor a tudo perdoa. Sim, essa é uma verdade quase universal, se não fosse o ciúme. Porque o ciúme queima a virtude e empobrece a alma. Assim, se fazia necessária a distancia, para que o milagre se realizasse. Ela sentisse a minha falta e me telefonasse pedindo para voltar. O milagre não se fez.

O cálice mortal do veneno escorria abundante, latejando em minhas veias. Era infecção generalizada de minha alma, que morrendo tremia de frio, se debatendo nas cobertas frias da solidão. Eu estava morrendo de amor. O mesmo amor que me salvara um dia... Agora significava a minha sentença de morte.

E desta vez doía mais. Pois não somente reabria velhas feridas, como abriam outras bem mais doloridas e profundas. Porém estas, as recentes, jamais as imaginei. Eu me perguntava o tempo todo: - Será que ela não percebe que estar me matando?

O seu desrespeito pelos meus sentimentos me fazia morrer a cada dia um pouquinho mais, na media que sua paixão evoluía e ia passando do limite do aceitável. Ela nem percebia os seus excessos. Ao contrário, até me contava alguns.

E eu? – onde você escondeu o amor que jura sentir por mim que não me protege? Talvez eu jamais seja entendida: - Mas, até para trair tem que se ter sensibilidade. Não se fere um grande amor.

Não assim, daquela maneira progressiva para a outra e decrescente para mim. Pensava eu em minhas noites de solidão. Porque eu já nem existia. Acabara o “eu só vou se você for” a frase mudara: - Eu só vou se ela for! Eu já não me enquadrava em nenhum programa, eu era a figurinha repetida...

Nem aniversario, nem final de ano. Nenhuma ligação. O engraçado era a frase: - Mas, eu já fiquei com você! O tempo era dividido: “Uma pra "ela", outra pra "ela", uma pra você...”. Os meus sentimentos já não agradavam aos seus, ao contrario, eles a irritavam. Essa era a nossa realidade. Com isso, o nosso amor diluía-se. E eu esvaziava, murchava, enquanto ela florescia, assim com a paixão pela outra.

Então, dentro desse contexto o impossível se fez: Separamo-nos.

E hoje elas vivem... E eu?... Estou a contar em conto o meu desencanto...

Com quantos carneirinhos se faz uma noite?... Um, dois, três, quatro... Cem... Duzentos... Mil... E haja conto... Hajam carneirinhos... Hajam cobertores... Haja coração!

E o amor? Escorre aos litros como na canção... E por ser amor, invade e fim!

E eu morri naquela noite e ela nem percebeu!

Já faz um ano e na lápide estar escrito: “Aqui jaz uma mulher que amou até a desmedida”.