A Prisioneira
Vejo meus pulsos e meus pés marcados por algemas, nas minhas costas vejo chibatadas que eu mesmo dei o sangue escorre escuro, deixei meu coração na minha infância junto com a minha alma, tudo que vejo hoje é uma carcaça de algo que já foi humano. Humano, será que isso existe?
Ergo meus olhos parcialmente comidos, vejo apenas sombras de ratos passeando pela sela, sinto eles me olharem, às vezes atacam as minhas extremidades, estão esperando que eu morra, assim terão comida abundante. Tento soltar minhas amarras, meu pulso sangra, sinto uma dor terrível, se eu ao menos pudesse ver além das sombras.
Queria ver um por do sol, a gente nunca da valor a ele até perder a visão.
Pergunto-me se já fui livre algum dia, quando eu era criança, gostava de uma árvore que tinha na frente de casa, tinha flores rosas muito cheirosas, sempre as apanhava para dar a minha mãe, ela não gostava dessas flores, mandou derrubar a árvore, nunca mais vi flores como aquelas. Lembro que gostava de ficar dentro da água até meus dedos enrugarem, queria ser um ser d’água, as vezes quando via uma estrela fazia esse pedido, mas nunca consegui, sempre diziam que se ficasse muito tempo na água ficaria doente.
São essas as poucas lembranças que tenho, não sei ao certo quando vi parar aqui, como cheguei a esse estado. Quando exatamente perdi minha humanidade, talvez se a árvore não caísse e me deixassem mais tempo na água, não estaria aqui hoje, sentindo a dor das minhas férias, parcialmente cega e surda.
Talvez pudesse estar vendo algo além dessas sombras, talvez... nunca saberei.
A noite vi uma luz, era azul brilhante, vinha do alto, muito alto. Meus olhos doeram quando vi, não lembrava mais o que era luz. Ela ficou maior e chegou mais perto, muito perto. O pouco de vida que restava na carcaça se esvaiu, deixei de existir, tudo que restou era um corpo vazio, alimento para ratos, vermes e insetos.
Eu me juntei a luz, era parte dela, havia flores rosas e o por do sol, nela desapareci e resplandeci...