As mãos de Jucelem

Havia diversos anos que eu não entrava em uma igreja. Fui criado na fé católica, mas não levava em conta os ensinamentos e nem praticava os sacramentos que recebi, ainda jovem. A bem dizer, algo nas religiões me enfastiava, e foi com surpresa que me vi inclinado a entrar naquela capelinha tão simples, pintada de cor creme e dedicada a Santa Rosa.

Adentrei o recinto, enfeitado com flores e com uma atmosfera mansa e abafada. Um som me chamou a atenção: na lateral da igreja, estava sentada uma noviça, tocando a "Ave Maria" em um órgão antigo, desgastado.

Aproximei-me, fascinado com aquelas mãos morenas e finas que faziam a melodia ecoar por todos os cantos da pequena capela. Ela voltou-se para mim, assustada. Os olhos grandes e negros por detrás das lentes finas dos óculos me observavam.

- Tirou me a concentração - ela disse um tanto tímida.

Desinibido que sou, perguntei-lhe seu nome e fiquei sabendo que era Jucelem.

Apertei-lhe a mão, com firmeza, mas delicadamente. Ela corou. Ali ficou selado nosso destino.

Tinhamos encontro marcado na capela todas as quartas-feiras, despendiamos nosso tempo em longos colóquios vespertinos, até que um dia tomei-lhe a mão macia, cor de jambo - beijei-a, sofregamente.

Tudo aconteceu como esperado: Jucelem se desligou do convento, e em pouco tempo nos casamos.

Os anos em que ficamos casados foram os melhores anos de minha vida.

Nas horas de tristeza, as mãos de Jucelem me confortavam.

Nas horas de alegria, entrelaçava meus dedos aos dela, no silêncio da nossa casa.

Nas horas íntimas do matrimônio, as mãos dela eram o doce instrumento do meu prazer.

Deus, como eu amava as mãos de Jucelem!

Eu chegava a assustá-la, adorando, sorvendo aqueles dedos finos e delicados, aquelas unhas róseas, na ponta de cada falange, o contorno perfeito dos pulsos. Eu beijei, juro que beijei, cada linha das palmas suaves daquelas mãozinhas, cada desenho cabalístico que se formava na polpa macia daquelas mãos feitas de sonho.

Mas nada dura para sempre, é a triste realidade.

Há um ano, um câncer terrível, essa doença abominável quis me privar do contato, da visão das mãos de Jucelem.

Mas tudo deu certo.

O corpo dela se foi, pobre morena!

Mas as mãos, ah, as mãozinhas! Olho para elas enquanto preparo esse manuscrito:

Duas belas peças morenas, formolizadas em vidros distintos, abertas, dedos levemente fletidos - como naqueles dias em que me acariciavam.

As lindas mãos de Jucelem.

Renata Xavier
Enviado por Renata Xavier em 01/12/2009
Código do texto: T1954297
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