A chave (miniconto)
A chave quebrou dentro da maçaneta. As crianças chegam uma a uma! Não consigo tirar o pedaço quebrado da chave. As professoras chegam uma a uma! Os palpites aumentam. “Puxa com um alicate. Bate no pedaço quebrado, com uma chave de fenda e um martelo. Desmonta a fechadura. Tira as dobradiças”... Estou suando frio. Os gritos das crianças podem ser medidos em decibéis. Um tremor percorre toda a minha coluna. O que fazer? “Olha se você não conseguir vou deixar o Rodrigo aqui e vou trabalhar.” “Estou perdendo hora para pegar o ônibus.” Uma transeunte manda benzer a porta, e completa: “Coisas do maligno, ele está segurando a porta.” No desespero empurro a porta. Ela nem se move, pois é feita com madeira de jacarandá e ainda maciça. “Vá buscar um chaveiro.” Grita uma mãe, já em completo processo de histerismo. Descolo o telefone do chaveiro e ligo. Escuto do outro lado da linha: ”Não foi possível completar a sua ligação...” O rebuliço corre solto pela rua. Carros buzinam para os pais darem passagem. Dois alunos se estapeiam e rolam pelo chão. O caos está instalado. Olho as minhas mãos machucadas por tentar abrir a maçaneta. Sorrio para mim mesmo diante do incidente. Um fio de sangue escorre dos meus lábios partidos. Neste instante um milagre. A porta se abre. João Augusto, o segurança pede desculpas por não ter ouvido a algazarra. Estava sentado na privada curtindo uma dor de barriga. Ou melhor, uma infecção intestinal.