O acordar
Vinte e cinco anos, magro, alto, manco de uma das pernas, resultado de poliomielite na infância, defeito que o incomodava bastante, para Fred o mundo girava em torno desse problema. Tendo como desculpa sua “deficiência”, murmurava, maltratava, julgava, descriminava, excluía, excluía-se, tanto que seu apelido era zangado ou azedo. Por onde passava, destilava acidez.
Sua mãe, santa mãe, era a quem mais ele judiava, e a que mais o compreendia, amava-o. O pai desde outrora os tinha abandonado. Ficando ele, a mãe e mais dois irmãos. Os irmãos logo cedo aprenderam a se virar, trabalhar, buscar o sustento de casa. Fred por sua vez, nada fazia, pois alegava que não podia por causa da perna, estudar também não, e assim era a sua vida de queixumes.
Em um dia, logo ao amanhecer, Fred resolveu reclamar que o café estava frio e fraco, o pão estava amanhecido e não tinha margarina. A mãe com a paciência que só as mães têm, pediu então que ele esperasse um pouco até que fizesse outro café, enquanto pediu se ele poderia ir até à padaria comprar uma margarina e alguns pãezinhos frescos.
Mas pra que ela pediu isso? Irado Fred arremessou o que tinha em cima da mesa ao chão, gritando perguntava como é que ele, com aquela perna, poderia ir a algum lugar, sem que as pessoas ficassem falando dele, olhando pra ele e coisas assim.
Quando parou de esbravejar percebeu que sua mãe chorava caída, ela, no ímpeto de acalmá-lo, escorregou no café esparramado ao chão, bateu o braço numa panela que estava ao fogo, tendo parte do rosto, braço e seios, totalmente queimados pelo caldo fervente.
Fred assustou-se, viu o quanto tinha sido mesquinho, egoísta. Os irmãos na rua trabalhando, ele sozinho, sem ter para quem ligar, amigos não tinha, vizinhos todos enfezados com ele, nem ao menos pensou em ligar para o pronto-socorro, e a mãe ao chão, levantou-a com cuidado, colocou-a sentada em uma cadeira, e saiu em disparada, nem lembrou mais da perna, correu até a um posto de saúde, pela primeira vez conversou como gente civilizada.
Voltando em uma ambulância, explicou o estado da mãe aos enfermeiros, quando chegaram, já tinha vizinhos auxiliando a senhora toda ferida. Fred ao sair, correndo daquele jeito, chamou a atenção das pessoas que nunca o tinham visto naquele estado de desespero.
A partir daquele dia Fred mudou da água para o vinho. Passou a preocupar-se mais com as pessoas e a doar-se mais.
Às vezes só um choque, um grande choque mesmo para fazer acordar pessoas do estado de egoísmo em que se encontram.