A história de Lívio
Lívio era talvez o mais belo entre os belos. Um deus grego, comentavam as moças do lugar. Rapaz sempre elegante, de sorriso fácil, andar malevolente. Seria um grande jornalista um dia. Estudava. “Faz Faculdade”, dizia a mãe, cheia de orgulho, para os vizinhos. Lívio tinha amigos e muitas, muitas amigas. Mas ninguém entendia por que vivia só, sem namoradas. Os mexericos corriam à solta. “Sei não”, dizia seu Ambrósio, dono da padaria. “Onde já se viu, rapaz desse porte sem namorada?!”. O único lugar onde Lívio era visto diariamente era na livraria da cidade. Todos os dias um livro novo. “Além de lindo, inteligente”, diziam as meninas suspirando. E como elas suspiravam. Mas o que ninguém sabia, sequer sonhava, era que Lívio nem folheava os livros, apenas os dispunha nas estantes de seu quarto. Tornara-se comprador compulsivo das encadernações. Era fascinado por elas. Apaixonado. Mas... por mais que desejasse, Lívio não conseguia ler um livro dos vários que adquirira. Vivia angustiado. Triste. Não gostava de ler, esse era o drama. Tentava e tentava. Nunca conseguira ir além da segunda página.
Certo dia, no auge de sua crise existencial, lançou a pergunta: Professor, pelo amor de Deus, como é que se aprende a gostar de ler? Todos os colegas de faculdade pularam das cadeiras. Era mesmo o Lívio quem perguntava? O comentário foi geral.
- Não pode. Você tem que ler, meu filho – respondeu o professor. Tem que ler.
Esta resposta ressoou na mente de Lívio até chegar ao seu quarto. Foi aí que decidiu. Escolheu um livro, trancou a porta e lá ficou. Começou a ler. Passou da segunda página. Vitória!! – pensou. Chorou, sorriu, sentiu medo e alívio. Uma imensa felicidade tomou-lhe a alma. Sufocou-lhe. Paulatinamente seu corpo e sua mente separaram-se de seu espírito. Quando a mãe abriu a porta do quarto, lá estava Lívio: olhos ainda abertos, sorriso no rosto e agarrado ao livro. Fora emoção demais. O corpo não resistira. Não houve médico que diagnosticasse a “causa mortis”.