A INVENÇÃO DA PALAVRA

Passeava tranquilamente pelos verdes campos perto de sua caverna, ainda não sabia o que era passear.

Andava por ali, meio escondido de um dinossauro.

Também não sabia que o nome daquele bicho gigante era dinossauro, viu muita carne nele, mas não teria como matá-lo, sabia disso, não sabia os nomes, mas não era burro. Possuía um elemento que lhe vigiava a vida, chamado hoje de instinto, aliás, o que nos trouxe aqui, e permite que alguém esteja digitando essas bobagens sobre aquele homem, que ainda não tem nome.

Bem, não tem nome porque não conhecia mais nenhum outro igual a ele, como era só, não precisava dar nome às coisas, inclusive a ele mesmo.

Tem gente que diz que foi a inteligência que fez a humanidade fazer tudo que fez, “chegar onde chegou”. Tenho minhas dúvidas:

- Opa fulano tudo bem?

- Tudo.

- Hoje é o seu dia de perpetuar a espécie.

- Hoje?

- É.

- Porra não dá para ser outro dia, tô indo pegar um cinema.

- Não dá cara, tem que ser hoje, sabe como é, é o rodízio.

- Mas dá algum prazer?

- Prazer? Não sei, ainda não chegou minha vez, só cuido da fila.

- Cara, quer saber, eu não vou! Arranja outro, o resto da humanidade que se foda. Não vou perpetuar merda nenhuma, o filme sai de cartaz hoje.

É... Creio que foi o instinto que nos trouxe aqui.

Mas voltando ao homem-sem-nome-porque-não-conhece-ninguem, estava ele caminhando, quando deu de cara com um outro igual a ele.

Silêncio total. Não falaram nada, afinal nunca precisaram e nem se quisessem ainda não sabiam.

Começou então uma tormenta, tiveram que inventar nomes para as coisas.

Primeiro foi o verbo, antes não havia nada, então o verbo se fez: combinaram dois, depois de muitos hugs, uga, blag, bung. Foram eles: “vamos” e “caçar” (o instinto de novo)

- Vamos caçar um pinossauro?

- O quê?

- Um pinossauro.

Apontou para o animal.

- Mas aquilo é um dinossauro.

Bom, nesse momento inventaram o “não”, e daí para diante não pararam mais.

- Não é.

- Claro que é.

- Não é não.

- É sim.

- Tá bom, que seja, tô com fome. (fome veio antes que o verbo)

Nem tudo foi assim tão tranqüilo, muitas vezes foi difícil, cansados de brigar inventaram o palavrão. Por não possuírem mãe (ao menos conhecida), e nem conhecerem seres de outro sexo, não falavam das mãe e nem da opção sexual do outro.

Simplificaram o vocabulário diferenciando somente os verbos, os substantivos mudavam muito pouco.

Até o dia que apareceram por lá duas mulheres, que também não se chamava assim ainda para eles. Para elas também foi muito difícil conviver com aqueles seres diferentes, primeiro tentaram comê-los, mas eles tinham um cheiro de sovaco muito forte e muito cabelo no peito, desistiram da idéia quando viram que eles também se comunicavam.

- Como você chama isso?

- Dinossauro1.

- Nossa que horrível!! Não, não, vamos chamar de mesa.

- Mesa?

- Sim.

- É, ficou melhor. – Disse um.

- E isso aqui vocês chamam de quê?

- Dinossauro2.

- Meu Deus (já haviam inventado Deus), que sem graça. Nananinanão, vamos chamar de cadeira.

- Cadeira? Bah (um deles era gaúcho) tá ficando muito difícil.

- Com o tempo vocês aprendem, é bem legal.

- E isso aqui é o que para vocês? – A outra mulher apontou para o fogo.

- Dinossauro45.

- Puta que os pariu. Vocês não têm imaginação nenhuma. Vamos chamar de fogo ok?

- Como?

- Fogo. F-O-G-O.

- Três coisas para decorar! Éééééééégua é muita coisa (esse era catarina).

Por fim as mulheres decidiram colocar a carne no Dinossauro45, digo, no fogo, em seguida deram um nome para aquilo, chamaram de churrasco.

Na primeira vez foi estranho. Alguns dias depois descobriram a pimenta e o manjericão e misturaram com o Dinossauro-Cortado que já se chamava carne, e levaram ao fogo, depois disso inventaram os adjetivos, começaram com expressões básica:

- Humm!!!!

- Hummmmmmm!!

Depois sim, chegaram adjetivos mais apropriados.

- DIVINO. – Disse uma.

- SABOROSO. – Disse a outra.

- Bom pá caralho. – (não preciso dizer quem falou).

Uma das mulheres olhou torto e inventou então os advérbios de intensidade.

- MUITO divino.

- Saboroso DEMAIS.

Um dos caras aproveitou e inventou o “menas” que ainda é usado até hoje.

- Muito divido, mas tem que por “menas” pimenta.

Somente séculos mais tarde quando inventassem a maionese caseira com cheiro verde para acompanhar o churrasco é que utilizariam o superlativo absoluto:

- MUITÍSSIMO divino bom pá caralho.

Pois então, como as mulheres inventaram o churrasco os homens saíam para arranjar mais comida.

E faziam isso diretinho. Até que choveu um dia, não saíram, um deles começou a dar palpite no churrasco da mulher. Fechou o tempo na caverna.

- Mal passado.

- Não, bem passado.

- Ao ponto.

- Mais para cima.

- Mais para baixo.

- Bota álcool.

- Ainda não inventaram seu burro.

- Ah, é mesmo.

Discutiram muito e brigaram. Acabou que as mulheres foram embora, acharam os caras um porre. Foi então que eles assumiram o posto de assador e como forma de demonstrar sua tristeza começaram a chorar, beber e emitir sons desafinados, ao nome disso chamaram de sertanejo universitário.

Nessa época inventaram também os pronomes demonstrativos.

- AQUELAS desgraçadas sem sentimento. – chorava um deles.

O outro aproveitou e inventou os advérbios de afirmação.

- DECIDIDAMENTE são umas desgraçadas sem sentimentos.

Para passar o tempo e manter a mente arejada e ocupada (em seguida inventaram os livros de auto ajuda) começaram a inventar coisas. Não pararam mais, inventaram televisão, carro, computador, supermercado, shopping e o trabalho. Inventaram tanta coisa que nem se sabe mais para que servem.

A vida ficou tão sem graça e sem tempo, que nos domingos ficam em volta do fogo, queimando pedaços de carne, tentando encontrar onde foi que erraram.

Alberto Ferreira
Enviado por Alberto Ferreira em 16/10/2009
Reeditado em 16/10/2009
Código do texto: T1869826
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