O prazer de cagar em casa
É bem mais provável acordar com a própria tosse do que acordar tossindo. De qualquer forma, já era onze da matina e Olivo só tinha dormido três horas! Três malditas horas inúteis. Talvez teria sido melhor ir trabalhar bêbado mesmo. Embalado. Pelo menos ele teria a sorte de perder aquela porcaria de emprego, que até agora só serviu pra pagar contas. Juntar? Nem pensar. É sacar e ir direto pra fila de filhos da puta viciados em pagar contas. Olivo quase poderia jurar que há algum prazer mórbido nisso. Isso sim é uma coisa mórbida. E ainda tem gente que tem a cara de pau de lhe dizer que masturbação na sua idade é morbidez. Mórbido é o caralho!
Olivo se levantou só de cueca e tossiu como um doente terminal. Fora obrigado a fumar dois maços de Marlboro vermelho na casa da Pri. Não havia nenhum desgraçado que fumasse Lucky e ainda por cima, a riquinha morava perto de tudo, menos de uma padaria, ou de algum boteco qualquer. Se sentou no vaso pra mijar e começou a pensar na porcaria do trabalho. Aquele maldito judeu! Fora que, como toda ressaca, daria o tempo exato de chegar até lá cagando nas calças. Olivo simplesmente tinha aversão aos banheiros públicos. Sentia tanto nojo da cara das pessoas nos transportes públicos que uma vez chegou a entrar no metrô com uma luva cirúrgica na mão direita, para segurar no apoio, e uma touca que cobria os olhos, enquanto tateava o caminho com a outra mão.
De repente veio. Assim de repente, como sair mais cedo do colégio, ou achar a última cerveja perdida na geladeira. Todo aquele vinho do porto, caipirinha de saquê, cerveja a noite inteira; tudo estava de volta, querendo proporcionar um prazer superior ao da entrada ou do durante. O prazer final. Olivo sentiu suas entranhas rufarem em um prelúdio. Terrível. Então se forçou a lembrar das centenas de banheiros estúpidos dentro dos quais travou guerras contra si e contra o mundo. Banheiros cheios de resto de gente que cagava feio e deixava tudo ali. Não que ele também não deixasse tudo aquilo pra trás com orgulho e foda-se. Mas ser pego de surpresa nesta situação é quase uma crueldade.
Os espamos de uma diarréia de ressaca se tornam contrações de um filho, quando se está em casa. Um filho elaborado com paciência e com muito amor, porém feio, repugnante e renegado. Um filho sem pais, do qual todos somos ensinados a ignorar, esconder, a tornar feio aos olhos de todos. Cague e seja feio. Pronuncie a palavra em voz alta e você vira sapo. Olivo já viu uma porrada de camisetas do tipo “Jesus, este nome tem poder”, mas seria uma experiência interessante fazer uma camiseta “Cague, este verbo tem poder”. Nascemos cheirando a merda. Tudo o que tem um cú acaba cheirando o rabo do outro em algum momento. Não é lei, não é bonito e nem feio. Simplesmente é.
Olivo se levantou e contemplou o sopão. Nada como cagar em casa. Era possível até sentir orgulho. Um orgulho idiota e inútil para a sobrevivência capitalista. Mas era uma bosta completa e alguém a fez. Quando foi se limpar tirou a sorte grande: o papel voltou branco e seco. Um novo homem saia do banheiro de seu lar.