Fábula Contemporânea 9
Tricotilda Aranha
homenagem a Maria Marcelina Moraes
Hoje vive confortável no canto superior esquerdo do guarda-vestidos e está saudável, tranquila, diria mesmo muito elegante. Vem, sempre na ponta de um cabide, ver a rua, apanhar luz e dar dois dedos de conversa à dona do “imóvel” em que habita. Actualmente são amigas mas a relação de estima teve um começo acidentado. Quando se viram pela primeira vez Tricotilda Aranha era só um aracnídeo que deveria ser morto com o chinelo, já em riste, de Maria Marcelina. Teve de lhe implorar, em gritos de grande aflição, que a não matasse e de lhe perguntar, a seguir, se a estava a prejudicar em alguma coisa. Marcelina, perplexa com o diálogo que só escutou com o cérebro e só no seu coração teve eco, condoeu-se da aranha e respondeu-lhe recolocando o chinelo no chão: “ É verdade que não me estás a prejudicar. Também é certo que não estragas os meus vestidos. Podes ficar aí mas livra-te de ampliar a teia. “ Claro que Tricotilda Aranha concordou de imediato, concordaria com tudo o que ela quisesse só para escapar da morte por esmagamento. A amizade veio depois, quando Maria Marcelina, além de a levar até à janela, lhe passou a oferecer um insecto por semana. “Temos de dar condições à outra parte se queremos que cumpra o contrato”