Eugenia Soledad
Meu declínio começou em meio à ventania. Fomos arrancadas, eu e minhas irmãs, e feitas prisioneiras de garras frias, daninhas. E fomos levadas para longe, muito distante de tudo o que nos era familiar. Inda no meio do caminho, o desespero nos calou os gritos fazendo-nos fracas, coniventes com o destino prometido. Era inevitável. E se esse mesmo vento, traiçoeiro, que ao predador com força imensa ajudou, fora o mesmo salvador, quem daquelas garras poucas de nós libertou?
Eu olhava ao redor e nada via. Sentia o sopro da morte a me congelar. Vestígio algum de qualquer de minhas irmãs...
Eu estava só, absolutamente só. Inteiramente só. Desesperadamente só...
Sentia o vento ao redor do meu corpo leve, e planava, suavemente... rumo a um destino desconhecido. Eu contava o tempo, e seguia meu caminho, bravamente, rumo à morte. Era inevitável: o que começara... tinha que terminar!
E para meu espanto, aquele mesmo vento, sádico, que me fizera planar, ao acaso, agora deitava-me ali, ternamente, ao chão. Milagres acontecem. E por que, comigo, não? Não duvidei. E em seguida notei a multidão, iguais, a me observar. Eram muitas, incontáveis, multicores... Eu, atônita, perguntava-me:
“Como podes sentir-te tão só, e indigente, em meio a tão vasto contingente, como?!”
Eu olhava ao redor... e assim, só, me descobria:
Eu estava só, absolutamente só. Inteiramente só. Desesperadamente só...
Não faço idéia de quanto tempo se passou. E mais uma vez um parente daquele vento embusteiro me sugou. Tufão. E levou-me para cada vez mais longe, agora muito mais distante de tudo, tudo o que não teve tempo de a mim tornar-se familiar. Talvez por misericórdia divina, ou filamentos do destino quem sabe, encontrei no caminho uma calçada, um lugar para me acostar. E então Ele apareceu...
Viu-me ali, perdida, sem forças e angustiada, a murchar... e um novo destino me deu. Achou-me linda, maravilhosa. Padrão diferente de qualquer outro já visto lá fora. Perguntou-se como poderia isso ser. Que meu fim era breve, disto eu já sabia... O calor daquela alma pura, irradia, a d’Ele, deu-me alento nos últimos momentos de dor. Hoje vos fala a minha essência. A prova do que fui, nesta existência, encontra-se conservada... prensada, entre as páginas de uma enciclopédia, encerrada, lembrando a todos a beleza que em vida fui.
Além de tantas outras queixas, acrescento à minha lista, também, a incerteza de não ter, como esperado, ao pó logo retornado. A morte é um sinal que se propaga pelos finíssimos fios da vida, e em certos pontos, ou vírgulas, vai sendo exagerado, ou omitido, até que alcance sua estação final: conclusão da metamorfose corpórea que dará vida a outros seres -- textos vivos --, vegetal ou animal.
Ele, que meus últimos dias embalou, e meu destino natural -- ao pó voltar -- quis retardar, especulou: sou Eugenia... Uniflora. Seria? E Ele também experimentara a pitanga que fui, em terras tropicais... e ‘calientes’.
Filamentos e nós da vida uniram-me a Ele, e a Ele entreguei tudo o que tinha, e fui -- órgão assimilador de luz, vida e calor --, e o que hoje sou: substituo um reles marcador... De mim, agora, somente a essência, e os restos, num livro grosso ficaram... E lá, neste lugar, devo me resignar, até que chegue o tempo certo de me libertar, e meu destino seguir: voltando ao pó, que é o meu lugar...
E como me sinto? Missão ainda não cumprida...
Estou só, absolutamente só. Inteiramente só. Desesperadamente... só.
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Revisado em 17.09.2010
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Versão original, corrompendo as vírgulas
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Meu declínio começou em meio à ventania. Fomos arrancadas, eu e minhas irmãs, e feitas prisioneiras de garras frias, daninhas. E fomos levadas para longe, muito distante de tudo o que nos era familiar. Inda no meio do caminho, o desespero nos calou os gritos, fazendo-nos fracas, coniventes com o destino, prometido. Era inevitável. E se esse mesmo vento, traiçoeiro, que ao predador com força imensa, ajudou, fora o mesmo, salvador, quem daquelas garras, poucas de nós, libertou?
Eu olhava ao redor e nada via. Sentia o sopro da morte, a me congelar. Vestígio algum de qualquer de minhas irmãs...
“Eu estava só, absolutamente só. Inteiramente só. Desesperadamente só...”
Sentia o vento ao redor do meu corpo leve, e planava, suavemente... rumo a um destino desconhecido. Eu contava o tempo, e seguia meu caminho, bravamente, rumo à morte. Era inevitável: o que começara... tinha que terminar!
E para meu espanto, aquele mesmo vento, sádico, que me fizera planar, ao acaso, agora deitava-me, ali, ternamente, ao chão. Milagres acontecem. E por que, comigo, não? Não duvidei. E em seguida notei a multidão, iguais, a me observar. Eram muitas, incontáveis, multicores... Eu, atônita, perguntava-me:
“Como podes sentir-te tão só, e indigente, em meio a tão vasto contingente, como?!”
Eu olhava ao redor... e assim, só, me descobria:
“Eu estava só, absolutamente só. Inteiramente só. Desesperadamente só...”
Não faço idéia de quanto tempo se passou. E mais uma vez um parente daquele vento, embusteiro, me sugou. Tufão. E levou-me para cada vez mais longe, agora muito mais distante de tudo, tudo o que não teve tempo de a mim tornar-se familiar. Talvez por misericórdia divina, ou filamentos do destino, quem sabe, encontrei no caminho uma calçada, um lugar para me acostar. E então: Ele apareceu...
Viu-me ali, perdida, sem forças e angustiada, a murchar... e um novo destino me deu. Achou-me linda, maravilhosa. Padrão diferente de qualquer outro, já visto, lá fora. Perguntou-se como poderia isso ser. Que meu fim era breve, disto eu já sabia... O calor daquela alma pura, irradia, a d-Ele, deu-me alento nos últimos momentos, de dor. Hoje vos fala a minha essência. A prova do que fui, nesta existência, encontra-se conservada... prensada, entre as páginas de uma enciclopédia, encerrada, lembrando a todos a beleza, que em vida fui.
Além de tantas outras queixas, acrescento à minha lista, também, a incerteza, de não ter, como esperado, ao pó logo retornado. A morte é um sinal que se propaga pelos finíssimos fios, da vida, e em certos pontos, ou vírgulas, vai sendo exagerado, ou omitido, até que alcance sua estação final: conclusão da metamorfose corpórea, o que dará vida a outros seres -- textos vivos --, vegetal ou animal.
Ele, que meus últimos dias embalou, e meu destino natural -- ao pó voltar -- retardou, especulou: sou Eugenia... Uniflora. Seria? E Ele, também, experimentou a pitanga que fui, em terras tropicais... e “calientes”.
Filamentos, e nós, da vida, uniram-me a Ele, e a Ele entreguei tudo o que tinha, e fui -- órgão assimilador de luz, vida e calor --, e o que hoje sou: substituo um reles marcador... De mim, agora, somente a essência, e os restos, num livro grosso, ficaram... E lá, neste lugar, devo me resignar, até que chegue o tempo certo, de me libertar, e meu caminho continuar: voltando ao pó, que é o meu lugar...
E como me sinto? Missão ainda não cumprida...
“Estou só, absolutamente só. Inteiramente só. Desesperadamente... só.”
Nota:
Este texto é parte do Desafio Literário “Filamentos”, tema proposto pelo colega Victor Meloni. É também o quinto texto da série 'Experimentando Novas Vozes e Caminhos'. As vírgulas -- essas soberanas cultas e usurpadoras coloquiais --, rebeldes, recusaram-se a seguir as regras do Português formal e eu, em minha pequenez, usual, não tive alternativa que não obedecê-las... O mesmo se deu com a estrutura das frases... Sinto muito, caro leitor, foi mais forte do que eu... o desejo de brincar! Ainda mais agora, que não tenho tanto tempo livre para escrever...
Um abraço fraterno :-)
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