Sustos no banheiro

 

          Januário caminhava em passos rápidos, quase correndo.  Vinha da rua e entrara em casa aflito e angustiado, por conta de uma inesperada dor de barriga.  Na verdade, aqueles poucos metros entre a porta da sala e o vaso sanitário pareceram-lhe quilômetros pelos quais, pé ante pé, seu cérebro concentrava-se na torturante tarefa de coordenar os passos, liberar comedidamente a flatulência e conter a evacuação, propriamente dita, até que chegasse a um lugar seguro.  Enfim, alcançou, são e salvo, o gélido assento da privada.


          Ali postado, apesar de consumado o alívio de já estar em segurança, sentia o nó nas tripas remoer-lhe as entranhas enquanto, a duras penas, liberava com esforço o que lhe pareciam ser, naquele momento, bolas de tênis que estavam alojadas como alienígenas dentro de seu intestino.  A tarefa lhe era tão penosa que chegou a lembrar-se da passagem bíblica a respeito de camelos passando em buracos de agulhas.


          No curso daquela lida ingrata, capaz de colocar qualquer ser consciente de sua insignificância perante o resto da raça humana,  sentiu um estranho deslocamento de ar dentro do vaso sanitário que se fez acompanhar de espirros da água lodosa em seu traseiro e de um som abafado, qual alguém que se afogava.  De um pulo, pôs-se de pé! O susto fora tal que sentia o coração pulsando-lhe na garganta e, num gesto instintivo, lançou olhos adentro da fonte tenebrosa daquele inesperado horror.


          O que viu foi apenas o óbvio resultado do que estivera a fazer até então.  Nada mais havia lá dentro.  Sentiu-se ridículo, ali de pé, calças arriadas até os calcanhares, nádegas e coxas escorrendo um líquido turvo e fétido e, além de tudo, ainda sofrendo as cólicas intestinais que não deixaram de lhe atormentar, a despeito do susto.  Ao contrário!  Tamanho foi seu sobressalto que o espasmo de medo acabara de transformar uma reles e banal dor de barriga numa diarréia incontida.  Sentou-se novamente, portanto.


          O pobre Januário, até onde as dores assim o permitiam, ficou ali a matutar que tipo de efeito alucinógeno os olorosos gases intestinais poderiam ter-lhe causado.  Afinal, o ocorrido só poderia ter sido fruto de sua imaginação afetada por alguma reação química do que lhe parecia ser aquela atmosfera sulfurosa vinda do próprio inferno. E, enquanto aguardava que os pútridos dejetos líquidos terminassem de jorrar-lhe das vísceras, mais uma vez, o estranho evento repetiu-se e, desta feita, com maior intensidade.   


          Ele, novamente, deu um pulo, porém, caiu de quatro.  Apavorado pôs-se de pé novamente e, desta feita, tinha certeza absoluta não ser aquilo fruto de sua imaginação.  Seu impulso foi o de sair correndo e, só não o fez, porque as calças arriadas não permitiam que as pernas disparassem em fuga.  Num ato mecânico, abaixou a tampa da privada e acionou a descarga.  O som da água invadindo o vaso em grande quantidade e, ao depois, escoando-se esgoto adentro, foi sucedido, contudo, daquele mesmo som gutural que partia, parecia-lhe, de algum lugar remoto lá ao fundo.


          Ia se preparando para romper ligeiro porta afora quando notou sua bizarra figura, literalmente borrada; o corpo e as vestes.  A despeito do pavor que lhe tomara por completo, resolveu banhar-se antes de sair para trocar de roupas.  Tremendo de cima em baixo, despiu-se e entrou sob o chuveiro, sem desgrudar, entretanto, os olhos da tampa abaixada da privada.   Enquanto esfregava-se trêmulo de medo sob os jatos d’água, ficou na espreita aguardando que, eventualmente, algum ser de outro mundo saltasse do vaso sanitário. 


          Sentido-se já minimamente asseado, voltou-se para fechar a torneira que ficava presa à parede e foi quando ele foi pego por trás, sentido-se ser estrangulado e puxado pelos cabelos ao mesmo tempo, sem poder ver o que, afinal, o estava atacando.  Os efeitos da esganação não lhe permitiam, sequer, emitir os gritos de pavor que lhe vinham, em vão, das profundezas d’alma.  Sua última percepção foi notar estar sendo arrastado em direção do vaso sanitário.


          O corpo de Januário jamais foi encontrado, porque ninguém nunca notou seus restos misturados com os dejetos boiando nas águas do córrego em que eram despejados os esgotos do lugar. 


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