Tempestuoso Tempo
Sentado na cadeira do ônibus, segurava firmemente sua sacola. Seu rosto estava inexpressivo, seus olhos miravam algo à sua frente, que definitivamente não estava lá. Na sua cabeça, um turbilhão, de coisas, que não significavam definitivamente nada. O cabelo despenteado, desgrenhado e sua solidão.
Apertava a sacola contra o peito. Como se quisesse um abraço. Mas nenhum abraço o queria. Até mesmo o chão tinha se afastado dos seus pés. E as pessoas a sua volta pareciam haver decidido, como em conjunto, não significar nada pra ele, e não significavam. Seu peito, vazio, não sustentava satisfatoriamente o ar, então lhe faltava também a fala, e talvez, por isso, suspirasse tanto.
Na estação, quando decidira tomar aquele ônibus, não tinha a mínima idéia do que fazia. Partira noturnamente da amargura, com destino ao desolamento. O caminho não era longo - Questão de tempos; Contudo desde comprovada a relativização das horas, o referencial tomava-se foco. E sendo assim, a estrada encompridara-se, tornara ladeira, descia o quanto mais profundo, quanto mais a alma permite. Alguns passageiros desceram logo. Mas sua parada não aparecia, nunca. Um animal, simplesmente um conjunto de sistemas nervosos, resultado unicamente de uma cadeia de processos orgânicos, elemento integrante da evolução biológica. De tal forma que jamais conseguiria perceber sua parada, seus sentidos estavam limitados à percepção do seu meio. E ele estava inserido em sua dor.
Olhou pros passageiros ao seu lado. Por um momento sentiu pena deles. Coitados! Tinham uma espécie de jeito. De fato que pareciam tão miseráveis. Cada qual alheio a si, ignoravam o que ele sabia, e mesmo sem distinguir precisamente o que era, possuía a certeza de que sabia algo que ninguém mais havia alcançado. Isso os tornava imensamente ignorantes. Igualmente o tornava superior. Pela janela assistia ao temporal que caía fora.
A cada quilometro sua sacola pesava mais. Como quando carregamos algo pesado e com o tempo o cansaço o deixa cada vez mais pesado. O seu peso era tanto que começava a lhe ferir o colo. Tentou abri-la para ver se podia se livrar de algo ali e aliviar o peso. Não conseguiu se livra de nada. Tudo lhe pertencia demais.
O motorista lhe grita o nome. “Ufa! Que alívio!”, pensou ele. Sua parada tinha finalmente chegado.
Sua figura encurvada pelo peso da sacola disfarçava o outro peso que escondia, da tristeza, do remorso, que aumentava enquanto deslizava lentamente pelo corredor do ônibus.
E então ali estava ele, naquele deserto: noturno... Superior a todos os demais. Incapaz de compreender, de perdoar. Seguiu andando. Dono de suas próprias decisões, autônomo. Até desaparecer no negro deserto.
Todavia, esperando o momento de decisão, outro, pacientemente anseia.
Espera e deseja.
No meio do deserto, onde jamais esperou encontrar, se depara, o perdão. A alça da insuportável sacola percorre seu braço, passa pelos seus dedos, caindo em direção ao chão, realizando cambalhotas e sumindo na areia. A luz que jazia distante, está agora a apenas alguns passos. Ela o perdoa, num caloroso abraço.
Seu orgulho não é nada diante da falta que ela lhe faz. Já não está mais no deserto. Não é mais unicamente um organismo biológico, ele é extensão dela, e dos outros, e de todos. Não há motivos de vergonha na reconciliação... Ele é então capaz de perdoar também, a si próprio, é capaz de se dar uma nova chance, está de novo em casa.
Gregorio Borges.