REFLEXÕES AO ESPELHO (miniconto)

A panela ferve ao fogo. O aroma de tempero corre pela casa. A velha senhora cantarola uma canção da sua meninice. Bonita canção! A letra emociona pela sua poesia, quando diz: “Sei que Jesus não castiga o poeta que erra. Nós os poetas erramos, porque rimamos também. Os nossos olhos nos olhos de alguém que não vem”. A senhora, então cantarola umas palavras desconcertantes: “Poeta, nem sei se poderei sobreviver ao que fui. O passado não volta mais, o presente é uma realidade e o futuro uma ilusão. O que de fato sou quando me vejo no espelho?” Reflito sobre o seu questionamento. Tenho na memória os meus reflexos no espelho. Uma menina desdentada, doente, frágil, magra. Uma jovem assustada, com as modificações ocorrendo rápido na alma e no corpo. Uma mulher corajosa enfrentando os problemas. O espelho guarda as minhas confidências. Sinto que ela é diferente das outras pessoas da sua faixa etária. O motivo é que ela conta sobre o passado com naturalidade. O saudosismo não se faz sentir nas suas lembranças. Vive o presente como ninguém. Sempre fala que viver o momento foi uma longa aprendizagem. Um dia ouviu um mestre iluminado ensinar a viver o agora. O espelho se torna amigo. As rugas marcas das vivências boas ou não. Amigas! Assim, se sente sempre jovial. Acostuma-se com o seu rosto. Belo rosto marcado pela vida. Seus olhos brilham pela alegria de estar amando a vida e se amando.